MOSCOVO – Emilio Salgari, meu velho companheiro das tardes longas e quentes de setembro na adolescência, em Águeda, chamou-lhe “O Continente Misterioso”. À Oceânia, digo eu. E ao mesmo tempo que viaja para oeste, para a mais europeia de todas as Rússias, para Sampetersburgo, no golfo da Finlândia, mar Báltico, Portugal vai também ao encontro do seu mais exótico adversário desta Taça das Confederações, a Nova Zelândia, de quem guarda a recordação de um inesquecível encontro de râguebi na fase final de um campeonato do mundo – e nesse desporto de bola oval, os rapazes dos antípodas são mestres –, mas sem memórias no que ao futebol vai dizendo respeito.
Depois da vitória de quarta-feira perante uma Rússia cheia de alma, sobretudo exterior, dada por um público fantástico, mas de futebol apenas burocrático e entediante, sem arte e sem imaginação que possam fazer dela um candidato a ter em conta, seja para esta competição que, de momento, se desenrola entre Moscovo e Sochi e entre Kazan e Sampetersburgo, seja para o mundial que se perfila no horizonte daqui a um ano, a selecção nacional de Fernando Santos, campeã da Europa do pragmatismo e do resultadismo, sempre com os olhos postos num Ronaldo que faz golos daquela forma fulgurante e gráfica, está com pé e meio nas meias-finais e não é de contar que venham de lá os rapazes do sudoeste do Pacífico, mais os seus tuis e quivis e restante passarada escabujante, para pôr em causa este facto quase, quase registado em papel azul de linhas a dois espaços, com direito a selo branco e tudo.
Assim, amanhã, no Estádio Krestovski, construído recentemente na ilha do mesmo nome, mas mais prosaicamente dominado Estádio de Sampetersburgo, pelo menos de forma oficial no decorrer desta prova, Portugal encerra a sua participação na fase de grupos com aquela satisfação tranquila que advém sempre de um dever cumprido. Convenhamos: era o mínimo. A despeito da tal Rússia bisonha e mazomba, que joga em casa, sim senhores, mas pobre dela, tão limitada, benza-a Deus e o czar que já está longe, e de um México de futebol excitado e ataque frenesiante, um tudo-nada conspirativo, não seria de esperar outra coisa de quem defende o título de campeão da Europa tão espantosamente festejado na cara dos franceses naquela noite infinita de Saint-Denis.
A despeito de haver, certamente, muitos jogadores a rezarem por férias – alguns nem as terão, vendo bem –, havia um prestígio a defender. E isso passava por ficar na Rússia, se não até ao último dia, dia 3 de julho, da final, pelo menos até à véspera desse dia, 2 de julho, quando se disputa a irritante final dos pobres, ou seja, o maldito joguinho que diferencia o terceiro do quarto classificado, como se isso fosse preciso.
Balanços e balancetes
Ficarão lá mais para diante os balanços e balancetes da participação lusitana nesta Taça das Confederações que, como já aqui deixei em aberto, pode muito bem vir a ser a última, tal a manigância de alterações de calendário que os senhores da FIFA e da UEFA andam a preparar para os tempos mais próximos.
Deu para perceber até aqui que Fernando Santos desembarcou na Rússia exactamente com a mesma filosofia mecânica com que chegou a França há pouco mais de um ano. Ele próprio tratou de o sublinhar, numa das suas intervenções públicas, já aqui: “Não me interessa jogar bonito. Não sei o que é isso. Interessa-me ser campeão da Europa!” E, como se vê pela amostra, ser também campeão dos campeões, se é o que esta prova acaba por ser. Monta um onze e vai, em redor dele, fazendo os ajustes de quem afina uma máquina: tira peças, mete outras, troca este e aquele de posição e vai teimosamente ao encontro do seu destino, que tem sido um daqueles amigos que o recebe, em casa, de roupão e braços abertos, com a pedrinha de gelo já a temperar o uísque. Não desdenha da fortuna, ou da crença, no seu caso, mas também não se conforma. E a verdade é que Portugal continua a ser um conjunto tremendamente eficaz nos processos que apresenta, ainda que aqui e ali haja um Moreno morenito a saltar na área como um daqueles antigos bonecos do jack-in-a-box para estragar, no último lance, uma vitória já saboreada, como sucedeu em Kazan.
Nanja que se espere ou ameace algo do género frente aos neozelandeses. Até porque o futebol abana-pinheiros dos “All Blacks” encaixa bem mais na forma de jogar portuguesa do que aquela espécie de dança das bruxas mexicana, tão “salerosa” como, essencialmente, pouco prática. A aventura no Continente Misterioso não deixará, com perdão do Salgari, de ser uma pequena aventura. Afinal, o mais complicado está feito. E, como ficou bem demonstrado até ao presente, o senhor engenheiro Fernando Santos não é nem de desperdícios nem de estragos. Bem haja por isso mesmo…