Pedro Silva Pereira, ministro da Presidência durante os Governos de José Sócrates, braço-direito do então primeiro-ministro, foi ouvido no DCIAP, no âmbito da Operação Marquês. Foi questionado sobre a ida do filho para Paris e a forma como as despesas eram pagas.
O Ministério Público suspeita que, a pedido de Sócrates, o amigo (e alegado testa-de-ferro) Carlos Santos Silva suportou as despesas de Gonçalo Silva Pereira a partir de novembro de 2013.
A sua empresa, a XLM Lda, pagava não só as despesas de Sofia Fava, ex-mulher de Sócrates, e do filho de ambos, Eduardo, como também as do filho de Pedro Silva Pereira.
Durante o interrogatório, este foi confrontado com escutas telefónicas de conversas com José Sócrates, realizadas em outubro de 2013, onde falam sobre os últimos detalhes da ida de Gonçalo para Paris, para o apartamento do antigo primeiro-ministro (que então ainda se encontrava em obras).
«Já falaste com a Sofia [Fava]? Ela está confortável com a ideia?», questionou Silva Pereira, ao que Sócrates assegurou que a ida de Gonçalo não traria qualquer problema de logística. Mas o outro insistiu: «É por causa do teu voluntarismo. Depois ela [Sofia Fava] é que está lá a maior parte do tempo e pode sentir-se desconfortável [com a presença de Gonçalo]».
Gonçalo Silva Pereira iniciaria os estudos em Paris em novembro, pelo que o apartamento teria de estar pronto nessa altura. Inquirido pelo amigo sobre a questão, Sócrates responde: «Não sei [quando estará pronto]; eles comprometeram-se a dar uma parte da casa no início de novembro». E acrescenta: «Vou fazer o ponto da situação, tenho de lá ir eu próprio».
Sofia Fava resiste ao ex-marido
A 15 de novembro de 2013, Sócrates já arranjara outra solução e alugara um apartamento só para o filho do amigo. Na véspera de o rapaz viajar, liga a Sofia Fava a informar que Gonçalo Silva Pereira chegará a Paris no dia seguinte, pedindo-lhe para tratar das chaves e lhas entregar.
Mas Fava reage. Tem mais que fazer. Sócrates, porém, insiste – «é um miúdo, caladinho, sossegadinho, uma excelente pessoa» – e ela acaba por ceder, contrariada: «Queres que faça de baby-sitter, que vá com o miúdo ao supermercado?». «Não, ele tem 20 anos», explica Sócrates, paciente. «Recebe-o no primeiro dia e explica-lhe como é que vai à OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, onde Gonçalo estagiou]». Sofia Fava reage uma vez mais com brusquidão: «Isso está tudo na Internet!…». Deitando água na fervura, Sócrates faz um último pedido: «Só peço que sejas simpática, que o recebas quando chegar, talvez podes levá-lo a jantar e depois ele vai sozinho… […] Peço por mim, por mais ninguém».
A XLM e a família Silva Pereira
O nome de Gonçalo não é o único que está ligado à sociedade XLM-Sociedade de Estudos e Projetos, de Carlos Santos Silva. Também a sua mãe, Ana Bessa, mulher de Pedro Silva Pereira, teve ligações com a dita sociedade, que o MP suspeita fazer parte do esquema criado por Sócrates para circular o dinheiro com origem em contrapartidas ilícitas que terá recebido enquanto esteve à frente do Governo.
Ana Bessa foi confrontada com contratos de prestação de serviços à empresa. De acordo com esses contratos, Ana Bessa, licenciada em Agronomia, trabalhou no desenvolvimento de estudos nas áreas do ambiente e da agricultura, tendo também prestado consultoria em projetos de investimento nos setores do ambiente, energia e agro-indústria.
O MP suspeita que os contratos são fictícios e serviam apenas para encobrir a circulação do dinheiro de José Sócrates arrecadado a partir de contrapartidas de sociedades ligadas ao Grupo Lena. Tal como o i noticiou, entre 2013 e 2014 a XLM pagou a Ana Bessa um total de 98 mil euros – mas, segundo o MP apurou, a mulher de Silva Pereira não prestou quaisquer serviços à empresa que justificassem esse montante.
Mãe inquirida sobre a venda de casas
A mãe de José Sócrates, Maria Adelaide Pinto de Sousa, também já foi ouvida no âmbito da Operação Marquês.
O Ministério Público questionou-a sobre a venda de imóveis a Carlos Santos Silva, o suposto ‘testa-de-ferro’ de José Sócrates, nomeadamente dois apartamentos no Cacém e a casa onde ela vivia na altura, no edifício Heron Castilho.
As autoridades suspeitam que a mãe do antigo líder socialista foi usada para branquear o dinheiro das ‘luvas’ que o filho recebia enquanto chefe do Governo da altura.
Em 2011, após a eleição de Passos Coelho para primeiro-ministro, José Sócrates terá pedido à mãe que vendesse as suas casas no Cacém a Carlos Santos Silva. Os apartamentos foram vendidos por 175 mil euros, dinheiro que Maria Adelaide acabou por transferir em tranches para as contas de José Sócrates.
Em 2012, este volta a usar o mesmo esquema para receber mais dinheiro. Assim, aconselha a mãe a desfazer-se do apartamento no Heron Castilho e a vendê-lo mais uma vez a Carlos Santos Silva, por 600 mil euros. Maria Adelaide regressou à casa que tinha na linha de Cascais e transferiu para a conta de Sócrates o dinheiro recebido.
Recorde-se que foram precisamente as transferências financeiras feitas por Maria Adelaide Pinto de Sousa para o filho que determinaram as investigações que deram origem à Operação Marquês. Em 2013, a Caixa Geral de Depósitos fez chegar ao MP e à Polícia Judiciária uma comunicação relativa às transferências de milhares de euros, cuja origem era desconhecida.
O património de Maria Adelaide
José Sócrates justificou a vida de luxo que levava em Paris com um empréstimo pedido à CGD e com uma herança deixada à mãe. Este último argumento já tinha sido usado para explicar a compra do apartamento de Sócrates no Heron Castilho, em 1995, meses antes de a mãe se ter instalado no mesmo edifício. Ambos os apartamentos foram adquiridos por um preço semelhante – cerca de 224 mil euros.
No entanto, o património de Maria Adelaide Pinto de Sousa não era suficiente para cobrir todos os gastos do filho. Maria Adelaide herdou o dinheiro do pai, um homem nascido numa família humilde, que durante a Segunda Guerra Mundial se dedicou ao negócio do volfrâmio, conseguindo arrecadar algum dinheiro que investiu no imobiliário.
O MP acredita que, apesar da herança recebida, o dinheiro de Maria Adelaide não era suficiente para suportar a vida luxuosa que José Sócrates levou em Paris, enquanto estudava Filosofia Política e fazia o seu quotidiano num dos bairros mais caros da capital francesa. O apartamento onde vivia custou 2,8 milhões de euros, tinha 250 metros quadrados e vista para a Torre Eiffel e para o rio Sena.
Finalmente, o Ministério Público confrontou Maria Adelaide com as entregas em numerário que o filho lhe fazia chegar.