É na obra literária de Aquilino Ribeiro “Quando os Lobos Uivam”, publicada em 1958, valendo-lhe a censura do Estado e a sua captura em 1959, que surge o primeiro grande alerta para os efeitos potencialmente nefastos da exploração intensiva da floresta como meio de descaracterização do país e da sua ruralidade, mas também como ameaça ambiental latente, potenciadora e geradora de riscos.
Sessenta anos depois, somados a uma certa incapacidade e, em certa medida, alheamento do Estado em assumir-se como efetivo gestor territorial, imune ao sucumbir de querelas corporativas (muitas delas dentro dos próprios governos), há um notório atraso e insuficiência na resposta às calamidades, em especial àquelas que derivam dos incêndios florestais.
O ciclo de catástrofe, é sabido, assume–se como um modelo teórico desenvolvido para interpretar a evolução de um acidente grave ou de uma catástrofe e subsume quatro fases distintas, embora conexas e interligadas: a fase de prevenção/mitigação, a fase de preparação, a fase de emergência ou de resposta e a fase de reabilitação, cabendo aos serviços de proteção civil a concentração, sem desprimor das restantes, nas fases de prevenção e preparação.
Em Portugal, as áreas estruturais da Proteção Civil assentam essencialmente na prevenção e no socorro, que vão subsistindo afastados e divididos por competências ministeriais diferentes, como é o caso no que toca aos incêndios florestais. Se a responsabilidade de arborização e manutenção dos baldios cabe aos municípios desde a Constituição de 1822, é também no plano municipal que o desempenho da Proteção Civil se manifesta, pois é nesse plano que o teatro das operações se desenrola. E para o fazer com eficácia necessita, evidentemente, de uma boa organização de base.
A tragédia de Pedrógão Grande é de uma gravidade inacreditável. Arrisco mesmo dizer que, se não fosse o risco permanente a que se sujeita o conjunto de homens e mulheres que voluntariamente – houve quem lhes tivesse chamado “amadores” há uns dias – avançam em nosso socorro, a tragédia teria sido bem maior. Talvez não tenha sido o incêndio mais difícil de combater, mas foi, sem sombra de dúvida, o mais trágico face à perda de vidas que originou.
Diz-se muito nestas ocasiões que o momento é de solidariedade com as vítimas, com as suas famílias. Que o momento é de dor e de pesar. Sem dúvida que é. Mas a perda de vidas não pode ser razão para o silêncio e para um apagão na avaliação das condições de que dispomos para prevenir estas situações, no apuramento cabal das responsabilidades e na indagação do destino real que é dado aos pomposos anúncios de verbas para a prevenção de incêndios.
No passado dia 1 de março, a ministra da Administração Interna, comandante máxima da segurança interna e da proteção civil, dizia em público: “Verificamos uma enorme evolução em termos de segurança da população e da salvaguarda do património, com melhoria significativa em termos de resposta operacional, mas também com o necessário aprofundamento das políticas de prevenção, investindo-se no planeamento de emergência, na minimização de riscos e nos sistemas de alerta e de aviso às populações.”
Há coisas que nem só o tempo explica. Nem o tempo é responsável pela manutenção de determinados paradigmas. Há perguntas que merecem resposta. Os relatos feitos por jornalistas e pela população nem sempre condizem com a informação oficial que se tem transmitido. Há situações conexas a esta tragédia que tangem o inexplicável. E isso tem de ter um responsável. Não pode ser só o tempo.
Vice-presidente do grupo parlamentar do PSD. Docente universitário, Escreve à segunda-feira