Se as comissões de inquérito à CGD tivessem decorrido no tempo da anterior governação e se tivessem o mesmo desfecho que uma já teve e que a outra previsivelmente terá podem crer que já tinha caído o Carmo e a Trindade.
Se a composição parlamentar maioritária anterior tivesse encerrado uma comissão de inquérito ao banco público sem que documentação crucial fosse entregue ou analisada, caucionando o livre de transparente escrutínio sobre uma instituição publica, que conclusões se tirariam?
Se um ministro do anterior governo tivesse, comprovadamente como fez Centeno, convidado um administrador de um banco privado para liderar o plano de recapitalização do banco público, munindo-o com informação privilegiada sem que lhe fosse exigida a demissão das suas funções privadas, o que aconteceria? Se esse ministro do anterior governo, como fez também Centeno, sonegasse essa informação aos deputados, impedindo-os do exercício da sua função fiscalizadora da ação governativa, com o notável pretexto de pôr em causa o sigilo de negócio porque as comissões parlamentares são “televisionadas”, o que se diria?
Se fosse claro que houve uma combinação e uma abordagem, ainda que assumida “ocasionalmente”, para a isenção de dever de entrega da declaração de rendimentos e património dos novos gestores da CGD, mas que nenhuma das partes quisesse, por razões ocultas, que se escrutinasse o assunto, o que se escreveria?
Se o governo anterior tivesse um facilitador de negócios que mais tarde fosse por ele nomeado para a administração do negócio que facilitou, quem cairia?
A verdade é que vivemos numa sociedade preenchida por uma elite vigarista que instrumentaliza a economia e algum do poder. São vigaristas morais. Condecorados, medalhados e exaltados homericamente pelos seus feitos. Vigaristas morais que usam e abusam do seu poder. Para os seus negócios e para as suas vontades com uma certa condescendência coletiva influenciada pelo advento do imediatismo mediático. Vigaristas morais que, sem pejo nenhum, combinam o nosso futuro nas nossas costas e condicionam o debate político e as prioridades do país que nem hoje, nem num horizonte próximo, verdadeiramente se discutirão. Mudanças adiadas e necessárias para a sustentabilidade do nosso país trocadas pelo imediatismo, pelo acessório e pelo sensacionalismo cada vez mais castrador das nossas liberdades individuais.
Nada me repulsa mais do que ver o poder político democrático – algum desse poder, para ser absolutamente rigoroso – subjugado ao vigarismo moral. Aceitar de bom grado apadrinhar as combinações desta “elite” em detrimento do escrutínio claro e absoluto que decorre da confiança que o povo lhes conferiu. Achar que tudo é normal sob o pretexto falacioso da credibilidade das instituições e do seu normal funcionamento.
Nós, sobretudo os mais novos, só temos duas opções. Ou nos juntamos a eles e tornamo-nos aprendizes propaladores do conto do vigário com a aspiração de um dia comermos à mesa com eles, ou então revoltamo-nos ainda que em consciência provemos o sabor do fel que a revolta imediatamente provoca.
Talvez nunca tenha feito sentido voltarmos a repensar a utilidade da palavra “revolução”. Uma revolução sem chaimites e cravos, mas uma revolução de posturas, de repúdio e de exclusão desta forma de atuação que minou o nosso sistema e nele se enraizou como uma doença. Dizem os mais céticos que é uma consequência da globalização. Mas não é. É uma consequência da submissão entre poderes e da sua indesejável mistura. E, claro, da nossa permanente passividade.
Vice-presidente do grupo parlamentar do PSD. Docente universitário
Escreve à segunda-feira