Há uns dias atrás tive a oportunidade de assistir a algumas corridas da America’s cup. Um desporto de mar com um enquadramento e tecnicidade completamente diferentes do surf mas não menos espetacular e interessante. Saltou-me à vista um incidente onde o barco do Reino Unido colidiu inadvertidamente com o do Japão. Tudo rápido, brutal e cirúrgico. A corrida não parou. Os nervos dos velejadores e suas equipas técnicas subiram. Os espectadores emocionaram-se.
Uns segundos depois, repito, segundos, em directo e sem quaisquer rodeios: “Fala o chefe de equipa do Reino Unido”. De imediato, foram prestados os devidos esclarecimentos sobre as circunstâncias que levaram à colisão assim como, enquanto líder da embarcação, assumiu toda e completa responsabilidade pelo sucedido. Mas o propósito deste comentário era outro. “Queria pedir desculpa aos meus adversários, ao Japão e seus cidadãos, aos patrocinadores e a todos os fãs.” As palavras podem não ter sido exatamente estas mas a grandeza da situação é de tal forma, que o rigor linguístico das palavras veiculadas é irrelevante face ao conteúdo da mensagem exemplar de educação desportiva, maturidade competitiva e fair play.
Em contraponto, na atualidade desportiva, temos os inúmeros programas de debate para análise, comentário e degustação das situações semanais de falta de educação desportiva. Observam-se o incitar de comportamentos menos próprios por parte dos adeptos nas bancadas, o confronto negativo entre jogadores ou mesmo os surpreendentes comportamentos de jogadores em resposta a estímulos vindos das bancadas como exemplos para quem a competitividade e maturidade não anda de mãos dadas. Ou ainda o complexo teatro de bastidores que se distancia brutalmente de todos os planos de fair play.
Ora, numa perspetiva transversal do desporto e não considerando apenas o topo da pirâmide da faixa profissional, os valores que se pretendem incutir são exatamente outros. Não queremos só formar campeões. Há uma antecâmara antes desse objetivo. Em primeira instância, os centros desportivos têm uma missão de formar pessoas. Em segunda instância tornar essas pessoas em verdadeiros embaixadores do desporto. E só mais tarde apresentar o caminho a percorrer para se tornarem campeões. É um caminho. E tem várias faixas de rodagem. Isto porque dá muito trabalho ser campeão cumulativamente para os adversários, árbitros, treinadores patrocinadores, media, amigos e familiares, fãs e demais stakeholders relevantes.
Jeffreys Bay, África do Sul, Julho 2015. Mick Fanning e Julian Wilson disputam uma final do World Championship Tour. Um tubarão aparece junto de Fanning. Wilson em vez de sair da água de imediato, rema rumo a Fanning sem certezas do que está a fazer mas decidido a ajudar o seu adversário. Tudo acabou bem e com um libertar conjunto de emoções de todos os surfistas profissionais na praia. Um ano mais, Mick adia as suas aspirações ao título mundial ao perder precocemente para o então wildcard Frederico Morais. Mal acaba a bateria, Fanning faz questão de se aproximar de Morais e, sem qualquer comportamento errático para fãs, patrocinadores ou juízes, desfere um abraço ao jovem português acompanhado de uma mensagem de incentivo e congratulação.
Ambas as situações vestem-se de fortes emoções. Mas também transmitem o que de melhor há nas pessoas ou embaixadores do desporto. Indo um pouco mais longe, a colisão, o tubarão e a derrota foram grandes momentos desportivos que simplesmente vieram evidenciar a educação, maturidade e fair play apenas ao alcance de consagrados e grandes campeõe