Desengane-se se pensava que íamos começar este texto a falar de vinhos. E só não o fazemos por uma razão: há muita história para conhecer antes deste néctar nos encher os copos. Pedro Pereira Gonçalves espalha em cima da mesa folhas A3 com pontinhos coloridos. «Os vermelhos, por exemplo, mostram-nos onde estão as vinhas com maior ou menor vigor e que precisam, ou não, da nossa intervenção», explica o enólogo. A técnica chama-se viticultura de precisão e passou a ser uma ferramenta imprescindível para categorizar o vinho. Na prática, há um avião que passa em cima da vinha e tira uma espécie de radiografia do espaço para que o viticultor possa definir estratégias e dividir a produção pela qualidade do que é gerado em cada vinha.
Pedro fala como um gestor, mas é na enologia que se sente à vontade. É por isso que, apesar de contar com esta tecnologia de ponta, o enólogo do Monte da Ravasqueira não prescinde de calcorrear as vinhas para provar as uvas que de lá vão saindo.E estamos a falar aqui de três mil hectares de Ravasqueira, o que dá para acumular muitos quilómetros de caminhada.
Negócio ecológico
Pedro estende o braço, apontando para uma paisagem quase sem fim. «São 160 mil plantas de vinha, há que transformar isto em garrafas». E é isso que fazem desde 2001, ano da primeira vindima na Ravasqueira. Antes disso, no terreno que adquiriu em 1943, José Manuel de Mello produzia mel e azeite, criava gado e cavalos e expunha a sua coleção de coches – que tem direito agora a um museu -, com 37 atrelagens.
A propriedade ficou para a família e o negócio, esse, virou-se para o vinho. «Tínhamos que aproveitar este sítio especial. Se formos a ver, quase que nem parece que estamos no Alentejo», comenta Pedro. Isto porque, além de um relevo acidentado, a propriedade está próxima de cinco barragens. «Tudo isto conjugado dá origem a um vinho mais fresco, aromático e com um teor de álcool abaixo que o habitual».
E é já de copo na mão, a comprovar aquilo que nos é dito em teoria, que Pedro dá conta de uma vontade de não só manter o crescimento da marca – que tem rondados os 20, 30% ao ano – como de a tornar mais ecológica. É por isso que três dos 45 hectares de vinha estão há um ano e meio sem a invasão de herbicidas. Para isso, investiram 25 mil euros numa máquina que arranca as ervas, evitando assim a intervenção dos químicos. «Significa que, em 2018, a Ravasqueira vai ter vinho livre de herbicidas», acrescenta, fazendo a ressalva de que tudo o que pomos nas vinhas, vai para as uvas e tudo o que pomos nas uvas, acaba no vinho. «E eu quero sentir-me seguro em dar a provar o vinho às minhas filhas, à minha família, aos meus amigos».
Ainda mais ambicioso é o projeto de reduzir para metade e, no limite reduzir na totalidade, o recurso a pesticidas. «É possível», garante o enólogo, «e sem comprometer a produção». Aliás, Pedro acredita que, sem baixar a fasquia dos dois milhões de garrafas produzidas anualmente, é possível até melhorar a qualidade do produto. «A vinha vai ser mais saudável», lembra.
Ainda em fase de teste, mas já no terreno, o sistema está a ser desenvolvido em parceira com o Instituo Superior de Agronomia. Sem adiantar pormenores, Pedro deixa apenas uma garantia: «Vai revolucionar a forma como se trata a vinha».
Marca familiar
Mesmo com uma família grande – Pedro de Mello, filho do fundador e atual presidente do Monte da Ravasqueira garante que, em dias de festa, chegam a ser mais de cem – esta propriedade não se podia ficar apenas por uma família. Nas casinhas azuis e brancas que abrem caminho à casa-mãe, vivem 42 trabalhadores, divididos em sete famílias.
Além deste espírito de comunidade, desde 2006 que o Monte da Ravasqueira passou a abrir portas a quem queira conhecer o seu trabalho. É através do enoturismo que dão a conhecer o produto final que, na verdade, resulta de um percurso que começa nas vinhas, passa pela adega que se prepara para ganhar mais um armazém, a cave com 500 barricas e termina na loja onde, além de vinho, vendem azeite, mel e compotas de vinho branco e tinto, tudo de produção caseira.
Apesar do prazer que lhe dá falar de algo que há muito deixou de ser apenas um negócio, Pedro Pereira Gonçalves não deixa de se mostrar cético perante o conceito de enoturismo. «Sou muito crítico quanto a quem pensa o enoturismo como um negócio», refere. Para o enólogo, serve apenas como forma de exposição do vinho que produz, até porque no caso da Ravasqueira representa apenas 7% da faturação. «Eu gosto é de vinho e de vender vinho, o enoturismo é, para mim, apenas uma ferramenta para esse fim».