As leis, as malícias e o cinismo


Seja em matérias domésticas ou em questões mundiais, encontramos sistematicamente leis estranhas e comportamentos cínicos e que às vezes fazem ricochete


1) Uma das características do PS é fazer regularmente uns fretes gigantescos ao poder económico. Essa prática atingiu o seu clímax com Sócrates, mas também houve situações devidas à proximidade de alguns dos seus dirigentes com interesses de grandes capitalistas. Esta recordatória vem a propósito da iniciativa de criar legislação nova sobre o alojamento local (AL). Embora seja verdade que o AL causa alguns incómodos evidentes, não o é menos que foi muito por via dele que se recuperou boa parte das cidades de Lisboa e do Porto e que a economia se dinamizou, permitindo à classe média desviar o dinheiro dos bancos (onde chegava a ser esbulhado por gestores ou donos) e arranjar, alternativamente, algum rendimento. Depois de um período selvático, o AL foi legislado e tem-se mantido como alavanca do crescimento. Imagine-se, por exemplo, o impacto que poderia ter uma lei restritiva e potencialmente inconstitucional sobre uma Web Summit, cujo perfil de participantes se enquadra no cliente AL e à volta da qual o governo e Marcelo fizeram um enorme foguetório. Agora, deputados do PS querem que o AL só seja autorizado mediante acordo dos condomínios, que são exatamente um dos centros de maior conflitualidade em Portugal. E isto em nome do bem-estar de vizinhos. Lágrimas de crocodilo! A verdade é outra. Com uma lei destas, basicamente quem poderá promover o AL serão as construtoras de prédios por inteiro destinados a esse fim e vendidos para esse efeito. A história de zelar pelo conforto e descanso das famílias é um pretexto. Para isso há (ou melhor, deveria haver) uma polícia municipal, cuja utilidade é duvidosa e que, aliás, deveria ver a sua atividade auditada com rigor. Nunca até hoje houve semelhante preocupação com o sossego dos vizinhos do “time sharing”. Sobretudo não há quem se rale quando os vizinhos comuns fazem barulho, dão festas ou quando certos apartamentos são alugados ou ocupados por estudantes, trabalhadores deslocados ou estrangeiros, ou então por grupos sociais que culturalmente gostam de se juntar e fazer festas com música e berros. Situações dessas existem há dezenas de anos e nunca incomodaram os senhores deputados que se ofendem especialmente com o incómodo produzido por ingleses, alemães, holandeses, etc. que vêm cá gastar dinheiro, ganho em países que, ainda por cima, andaram a emprestar para pagar a fatura da gestão de Sócrates e do PS. Quem vá para a zona da Baixa lisboeta e outras que estão na moda, olhando para o que está a ser construído, percebe perfeitamente ao que vem esta iniciativa e quem beneficiaria se ela fosse avante.

2) O PSD de Lisboa vai a votos antes das autárquicas, sendo Pedro Pinto o candidato da fação Passos Coelho.
A estratégia é digna da Venezuela dos dias de hoje. Convocam-se eleições no momento em que se escolhem os candidatos autárquicos e depois de se ter afastado alguns militantes e autarcas que não alinhavam com a oligarquia. Resultado: quem se apresente ou apoie uma alternativa a Pedro Pinto tem também a alta probabilidade de não ser aceite como candidato autárquico.
A vitória fica, assim, quase assegurada e a distrital mantém-se nas mãos de Passos. Esta estratégia é o reconhecimento oficial no PSD de que as autárquicas na capital estão perdidas e que conquistar a distrital é fundamental para Passos vencer o próximo congresso e segurar a liderança até às legislativas. Maquiavel não pensaria melhor. A oposição interna assegura que vai apresentar um candidato também. Amaral Lopes é o nome provável.

3) A história mostra que os alemães não são fiáveis. Um bom paradigma de alemão é Schäuble, que há dias comparou Centeno a Ronaldo num manifesto exercício de gozo. Elogiou agora na expetativa de poder achincalhar amanhã. Não quis dizer que vinha aí o diabo porque sabe bem que ele pode não aparecer já. Mas lançou a frase venenosa porque lhe custa o sucesso de Portugal, em cuja consolidação não acredita e, sobretudo, não deseja, dada a circunstância de ocorrer com base numa solução governativa e política que lhe repugna. Quanto a Centeno, não deixa de ser verdade que está a pôr-se em bicos de pés para presidir ao Eurogrupo, mas era uma lança em África se o conseguisse, embora a probabilidade de ser um espanhol seja maior.

4) Um observador informado e atento espantava-se há dias com o facto de estar todo o mundo muito indignado por Trump ter pedido aos europeus para pagarem o que devem à NATO. Na verdade, Trump fez a mesma exigência que Schäuble e Dijsselbloem já fizeram aos países do sul. O americano teve, mesmo assim, a delicadeza de não se referir a mulheres e vinho. Merkel reagiu enxofrada e com queixinhas em voz alta. Pode ser que, a partir de agora, ela e alguns outros nos compreendam melhor e nos censurem menos, como acentuava aquele analista atento.

 

Jornalista


As leis, as malícias e o cinismo


Seja em matérias domésticas ou em questões mundiais, encontramos sistematicamente leis estranhas e comportamentos cínicos e que às vezes fazem ricochete


1) Uma das características do PS é fazer regularmente uns fretes gigantescos ao poder económico. Essa prática atingiu o seu clímax com Sócrates, mas também houve situações devidas à proximidade de alguns dos seus dirigentes com interesses de grandes capitalistas. Esta recordatória vem a propósito da iniciativa de criar legislação nova sobre o alojamento local (AL). Embora seja verdade que o AL causa alguns incómodos evidentes, não o é menos que foi muito por via dele que se recuperou boa parte das cidades de Lisboa e do Porto e que a economia se dinamizou, permitindo à classe média desviar o dinheiro dos bancos (onde chegava a ser esbulhado por gestores ou donos) e arranjar, alternativamente, algum rendimento. Depois de um período selvático, o AL foi legislado e tem-se mantido como alavanca do crescimento. Imagine-se, por exemplo, o impacto que poderia ter uma lei restritiva e potencialmente inconstitucional sobre uma Web Summit, cujo perfil de participantes se enquadra no cliente AL e à volta da qual o governo e Marcelo fizeram um enorme foguetório. Agora, deputados do PS querem que o AL só seja autorizado mediante acordo dos condomínios, que são exatamente um dos centros de maior conflitualidade em Portugal. E isto em nome do bem-estar de vizinhos. Lágrimas de crocodilo! A verdade é outra. Com uma lei destas, basicamente quem poderá promover o AL serão as construtoras de prédios por inteiro destinados a esse fim e vendidos para esse efeito. A história de zelar pelo conforto e descanso das famílias é um pretexto. Para isso há (ou melhor, deveria haver) uma polícia municipal, cuja utilidade é duvidosa e que, aliás, deveria ver a sua atividade auditada com rigor. Nunca até hoje houve semelhante preocupação com o sossego dos vizinhos do “time sharing”. Sobretudo não há quem se rale quando os vizinhos comuns fazem barulho, dão festas ou quando certos apartamentos são alugados ou ocupados por estudantes, trabalhadores deslocados ou estrangeiros, ou então por grupos sociais que culturalmente gostam de se juntar e fazer festas com música e berros. Situações dessas existem há dezenas de anos e nunca incomodaram os senhores deputados que se ofendem especialmente com o incómodo produzido por ingleses, alemães, holandeses, etc. que vêm cá gastar dinheiro, ganho em países que, ainda por cima, andaram a emprestar para pagar a fatura da gestão de Sócrates e do PS. Quem vá para a zona da Baixa lisboeta e outras que estão na moda, olhando para o que está a ser construído, percebe perfeitamente ao que vem esta iniciativa e quem beneficiaria se ela fosse avante.

2) O PSD de Lisboa vai a votos antes das autárquicas, sendo Pedro Pinto o candidato da fação Passos Coelho.
A estratégia é digna da Venezuela dos dias de hoje. Convocam-se eleições no momento em que se escolhem os candidatos autárquicos e depois de se ter afastado alguns militantes e autarcas que não alinhavam com a oligarquia. Resultado: quem se apresente ou apoie uma alternativa a Pedro Pinto tem também a alta probabilidade de não ser aceite como candidato autárquico.
A vitória fica, assim, quase assegurada e a distrital mantém-se nas mãos de Passos. Esta estratégia é o reconhecimento oficial no PSD de que as autárquicas na capital estão perdidas e que conquistar a distrital é fundamental para Passos vencer o próximo congresso e segurar a liderança até às legislativas. Maquiavel não pensaria melhor. A oposição interna assegura que vai apresentar um candidato também. Amaral Lopes é o nome provável.

3) A história mostra que os alemães não são fiáveis. Um bom paradigma de alemão é Schäuble, que há dias comparou Centeno a Ronaldo num manifesto exercício de gozo. Elogiou agora na expetativa de poder achincalhar amanhã. Não quis dizer que vinha aí o diabo porque sabe bem que ele pode não aparecer já. Mas lançou a frase venenosa porque lhe custa o sucesso de Portugal, em cuja consolidação não acredita e, sobretudo, não deseja, dada a circunstância de ocorrer com base numa solução governativa e política que lhe repugna. Quanto a Centeno, não deixa de ser verdade que está a pôr-se em bicos de pés para presidir ao Eurogrupo, mas era uma lança em África se o conseguisse, embora a probabilidade de ser um espanhol seja maior.

4) Um observador informado e atento espantava-se há dias com o facto de estar todo o mundo muito indignado por Trump ter pedido aos europeus para pagarem o que devem à NATO. Na verdade, Trump fez a mesma exigência que Schäuble e Dijsselbloem já fizeram aos países do sul. O americano teve, mesmo assim, a delicadeza de não se referir a mulheres e vinho. Merkel reagiu enxofrada e com queixinhas em voz alta. Pode ser que, a partir de agora, ela e alguns outros nos compreendam melhor e nos censurem menos, como acentuava aquele analista atento.

 

Jornalista