Contra os turistas, marchar, marchar


Há muitos países que vivem prósperos e felizes sem turistas, designadamente a Coreia do Norte, um bom exemplo a seguir nesta matéria


Em Portugal, nenhum negócio pode correr bem sem ser objeto de uma série de críticas e ataques por parte dos velhos do Restelo do costume, que desejam que o país viva sempre feliz na sua miséria habitual, de acordo com a velha máxima salazarista “pobretes mas alegretes”. Curiosamente, já se o negócio correr mal é objeto de grande compreensão por parte do povo, que aceita pacificamente que o Estado enterre milhares de milhões de euros dos seus impostos para “recapitalizar” os bancos. Só isto explica que não tenha havido um único protesto perante o delapidar do dinheiro dos contribuintes no “resgate” de bancos, mas surjam ataques contínuos ao alojamento local.

O último ataque proveio de dois deputados do PS que, pelos vistos num impulso momentâneo, já que nem cuidaram de saber a posição do responsável pelo setor no governo que apoiam, se lembraram de apresentar um projeto-lei a exigir a autorização da assembleia de condóminos para permitir a hospedagem a turistas no imóvel. O argumento é que a jurisprudência estava a ter posições divergentes – na verdade, estava a afastar-se do que esses deputados consideram ser a linha justa –, pelo que haveria que meter na ordem os juízes rebeldes fazendo uma lei interpretativa. Assim se mostra a consideração que esses deputados têm pela independência dos nossos tribunais.

É por demais evidente que colocar a decisão sobre o alojamento local nas mãos de uma assembleia de condóminos implicaria a proibição para sempre de qualquer alojamento local praticado por quem não seja dono de um prédio inteiro, sendo esse o objetivo manifesto dos dois deputados. Têm, naturalmente, por isso o apoio do PCP, só não tendo o do Bloco, que acha a solução “insuficiente”. Provavelmente, o Bloco pretenderá que em vez da assembleia de condóminos seja a comissão de moradores do bairro a (não) aprovar o alojamento local…

Entretanto, a deputada Helena Roseta, que preside no parlamento a um grupo de trabalho que já conseguiu o prodígio de fazer Portugal imitar a Venezuela, regressando ao congelamento de rendas em pleno séc. xxi, veio dizer que acha “cirúrgica” a solução dos deputados do seu partido. As cirurgias podem facilmente matar o paciente, especialmente quando são feitas por quem nada sabe das regras da arte. Mas a senhora deputada acha que o debate está aberto para se combater os malefícios do alojamento local, pelo que o seu grupo de trabalho não deixará de legislar em defesa dos gloriosos amanhãs que cantam neste combate contra a invasão dos turistas. Na verdade, há muitos países que vivem prósperos e felizes sem turistas, designadamente a Coreia do Norte, um bom exemplo a seguir nesta matéria. Contra os turistas, marchar, marchar.

 

Professor da Faculdade de Direito de Lisboa, Escreve à terça-feira