Infelizmente, o Brasil está cheio de presidentes que se deixaram enredar em situações políticas complexas que tornam insustentável a sua manutenção no cargo. O primeiro exemplo desta situação foi Getúlio Vargas, o ditador do Estado Novo brasileiro que, tendo-se feito eleger democraticamente em 1950, foi acusado de ter ordenado, em 1954, o atentado da Rua Tonelero contra o jornalista Carlos Lacerda. A pressão para a renúncia do presidente foi geral, mas este insistiu em manter-se no cargo, acabando por se suicidar quando não conseguiu resistir mais a essa pressão.
O segundo exemplo foi Collor de Mello, que foi objeto de denúncias de corrupção, as quais acabaram por justificar um processo de impeachment. Collor de Mello resistiu enquanto pôde, mas acabou por renunciar ao cargo no final de 1992, nas vésperas de ser decretada a sua destituição.
Há pouco tempo, a presidente Dilma Rousseff foi igualmente objeto de impeachment por ter alegadamente praticado pedaladas fiscais, consistentes em atrasar despesa de um ano para o outro com o objetivo de melhorar as contas federais. A presidente não renunciou ao cargo, mas o Congresso brasileiro não hesitou em votar a sua destituição. Dilma foi assim substituída pelo seu vice, Michel Temer, um político sem qualquer apoio popular.
Agora é Temer que é acusado de obstrução à justiça e corrupção numa gravação feita em virtude de uma delação premiada do empresário Joesley Batista. Temer também insiste que não se vai demitir, já tendo feito em dois dias duas comunicações ao país nesse sentido. Mas torna-se evidente que não vai escapar igualmente a um processo de impeachment e a sua legitimidade ficou altamente posta em causa, em virtude de as acusações pelas quais Dilma perdeu o mandato parecerem bagatelas quando comparadas com as atuais suspeitas que envolvem Temer.
Com o sentido de humor que o caracteriza, o povo brasileiro, aquando da renúncia de Collor, sugeria que ele deveria ter feito como Getúlio e ficar até ao fim. Na verdade, no sistema presidencialista, um presidente não pode ser destituído pelo Congresso a não ser com base numa acusação criminal, mas há alturas em que é manifesto que ele não tem quaisquer condições para se manter no cargo, pelo que a renúncia é a saída óbvia. Temer deveria ser o primeiro a ver que, neste momento, a sua continuação como presidente é altamente prejudicial aos interesses do Brasil. Uma crise política resolve-se com uma saída política, não se deixando arrastar uma situação insustentável até ao fim. Porque quanto mais tempo isto durar, pior vai ser para Temer e, principalmente, para o Brasil.
Professor da Faculdade de Direito de Lisboa, Escreve à terça-feira