Era sabido que o nosso Presidente da República (PR) se preocupa com a autoestima dos portugueses. Mas eis que a vitória de um cantor na Eurovisão – que antes de ser um herói foi gozado nas redes sociais pelo seu aspeto e pelas suas peculiaridades que, de embaraçosas, passaram a “artísticas” – é o momento oportuno para consagrar esse seu peculiar paternalismo atribuindo, não 20 valores, mas 20 cm a todos os portugueses. Será que, contrariando a sabedoria popular, os portugueses se medem aos palmos? Não creio que tenha sido essa a intenção deliberada do PR quando, explicando no estrangeiro, a um grupo de jovens, que a 13 de maio os portugueses se uniram num espasmo patriótico e “telefonaram uns aos outros” para saber se estavam coletivamente a ver a votação para aquele concurso, afirmou que a vitória na Eurovisão deu “mais 20 centímetros de altura aos portugueses, todos crescemos”, recordando ainda a vitória em Paris, aquando do Euro, que também nos terá dado mais meio palmo de altura. O nosso parlamento também apresentou uma unânime saudação aos irmãos vencedores. Em 1917, Almada Negreiros declarava que “o povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os seus defeitos”. Aos portugueses, dizia Almada, só faltavam as qualidades. Volvidos 100 anos, somos um povo completo e as qualidades da nação estão aí. Mesmo sem império, “Portugal não é um país pequeno”, como já lembrava um cartaz nos anos 30, aquando da Exposição Colonial no Porto.
Apesar desta evidência, a verdade é que me fui medir e continuo com a mesma altura. Porque será? Talvez porque eu não venci nada, tal como nenhum português ou, pelo menos, aqueles que não sabem cantar nem escrever ou compor músicas. Salvador Sobral foi o vencedor do festival (com uma canção de que gosto muito, devo dizer). O seu êxito deve-se à interpretação dessa canção, pelo que não é difícil defender que quem escreveu a canção, a irmã de Salvador, também está de parabéns. O mesmo é extensível ao pianista e compositor, Luís Figueiredo, autor da composição musical de “Amar pelos Dois”, e à RTP pelo novo formato que deu ao concurso. Mas não é de agora que, mal soa a trombeta do triunfo, acorrem logo uns quantos, ora para colher, ora para evidenciar os louros: o fenómeno com os devaneios futebolísticos do Euro foi semelhante.
A vitória na Eurovisão não foi uma “vitória dos portugueses”, foi dos irmãos Sobral, e qualquer esforço para nacionalizar ou coletivizar o mérito alheio para alegado benefício de todos, presumindo-se artificialmente de todos, constitui não só uma apropriação egoísta e injusta do esforço individual de outros como também cria uma imagem míope do nosso valor enquanto povo, que se reduz a uns espasmos ocasionais, a realizações futebolísticas ou musicais, em tudo o resto permanecendo num estado letárgico de apatia e alheamento cívicos – como dava nota Pacheco Pereira no “Público” de sábado. O sucesso de uns não pode ser de todos: tem esforço, suor, empenho, sacrifício, lágrimas, desistência e conquista, decisões e, sobretudo, responsabilidade individual. Se, por um lado, esta apropriação do sucesso alheio é um reflexo de uma sociedade que se banha no mérito coletivo, desdenha o individual e que, por isso mesmo, dificilmente reconhecerá o ideal da meritocracia, por outro lado, estes coros coletivos, rapidamente apropriados pelos nossos políticos que beneficiam do clima de otimismo gerado pela conquista lusa, criam a ilusão “viscontina” de que alguma coisa à superfície muda, para quase tudo o que é essencial permanecer igual.
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