A denúncia de dois administradores da JBS, maior empresa de carnes do mundo, os irmãos Joesley e Wesley Batista, envolve o presidente Michel Temer numa manobra para comprar o silêncio do ex-presidente do parlamento Eduardo Cunha, preso desde outubro. A acusação ao presidente é acompanhada de gravações que envolvem, para além de Temer, o presidente do PSDB, um dos maiores aliados de Temer, o senador Aécio Neves.
Os empresários terão feito as gravações com os políticos no mês de março, e ido negociar com elas uma “delação premiada”, uma figura jurídica brasileira que permite que envolvidos em crime de corrupção possam denunciar os crimes em troca de penas muito menores para os ilícitos que cometeram.
Normalmente, dada a quantidade de crimes associados ao Lava Jato, os procuradores demoram tempo a conceder essa figura a denunciantes. Mas dado o conteúdo bombástico das gravações, o estatuto de “delação premiada” foi dado em menos de uma semana.
Este caso teve ainda um desenvolvimento pouco habitual. Os investigadores da Polícia Federal, em conjunto com os procuradores, montaram aquilo a que se chama “ação controlada”: todas as entregas de dinheiro passaram a ser filmadas e monitorizadas pela polícia. Foram anotadas os números de série das notas dadas pelos empresários aos políticos e colocados chips nas malas de dinheiro.
O esquema com o presidente Temer previa, alegadamente, a entrega de 500 mil reais semanais (cerca de 135 mil euros) a um assessor de Temer, durante 20 anos, o que implicaria uma verba dada aos políticos de 480 milhões de reais (cerca de 130 milhões de euros).
A partir das pistas das gravações, esta verba aparentemente gigantesca era dada em troca de benefícios para a empresa orçados em um milhão de reais por dia, segundo revelaram os jornalista do jornal “O Globo”.
Temer confirmou ter-se encontrado com Joesley Batista, dono da maior empresa de carnes no mundo, no Planalto, mas negou ter aprovado a compra, por milhões, de Eduardo Cunha. Grande obreiro do impeachment de Dilma Rousseff e próximo de presidente no PMDB, Cunha está preso desde outubro passado em Curitiba.
A denúncia muda a situação de Temer na Lava Jato e poderia ser a base para um processo criminal contra ele ou um pedido de impeachment. Citado nas “delações premiadas” da Odebrecht, o presidente não foi investigado pelos supostos crimes que lhe são atribuídos porque eles teriam sido cometidos fora do seu mandato, afirma o “El País”. Agora, conforme noticiado pelo jornal “O Globo”, a tentativa de obstruir a operação ocorreu já no período em que estava no Palácio do Planalto, [sede do governo brasileiro] há dois meses. Ou seja, abriu a possibilidade de que pedidos de impeachment fossem apresentados – o que aconteceu na noite desta quarta-feira.
Mas mesmo que o procurador–geral, Rodrigo Janot, avalie que há motivos suficientes para processar o presidente, a decisão também tem de ser apoiada por dois terços da Câmara – um resultado difícil de conseguir para uma presidência que, embora nada popular nas sondagens, tem o apoio de quase 80% dos parlamentares. Nenhum antecessor havia chegado ao número de 61 senadores e 411 deputados que apoiavam até esta semana Michel Temer.
Perante a divulgação, pela comunicação social, destas investigações, já vários políticos da maioria parlamentar afirmam que é inevitável a saída de Temer.
Em concreto, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a investigação contra o presidente Michel Temer e decretou o afastamento do cargo de senador de Aécio Neves, acusado de ter pedido 2 milhões de reais (cerca de 540 mil euros) aos empresários. A procuradoria pediu a prisão do senador Aécio, mas o ministro do STF Edson Fachin, relator do Lava Jato, decidiu não enviar o caso para deliberação do plenário do STF. A irmã de Aécio Neves, Andrea, e o primo do senador, Frederico Pacheco, foram presos por suspeitas de envolvimento no caso. O desenvolvimento do caso paralisou completamente a ação do governo e a discussão das reformas laborais e da segurança social.
Às sete e meia da noite, quando apareceu a notícia da investigação, o mercado financeiro já estava fechado, mas os telefones de analistas de bancos e de fundos de investimento tocavam sem parar, segundo garantia a revista “piauí”. Embora haja dúvidas sobre o futuro de Temer – se ele renunciará ao cargo ou sofrerá um processo de impeachment, e se será possível a convocação ou não de novas eleições diretas ou indiretas –, o que já se tinha a certeza no mercado era que as reformas em andamento acabaram. Ninguém mais acredita ser possível que elas sejam votadas antes de 2019.
A Constituição é clara: em caso de renúncia ou perda de mandato do presidente e do vice, terão de ser convocadas eleições indiretas em até 90 dias. Nas ruas, milhares de brasileiros pedem eleições diretas, o que obrigaria à aprovação de uma emenda constitucional. Os partidos da maioria poderão tentar manter o poder e resolver as coisas numa eleição por parte dos deputados. Mas tal como no impeachment de Dilma, em que votaram dezenas de deputados indiciados por corrupção, a questão é se o Congresso tem legitimidade política e apoio popular para fazer essa convocação, até porque a JBS, que está num centro desta “delação premiada”, foi a maior doadora de campanha nas últimas eleições. Deu quase 400 milhões de reais (cerca de 108 milhões de euros) em 2014, o equivalente a 20% do lucro da empresa naquele ano, a políticos de praticamente todos os partidos.
Os empresários negociaram pela sua “delação” que apenas pagariam uma multa de 225 milhões de reais (cerca de 61 milhões de euros).
Ficou combinado com a justiça que não seriam presos nem usariam pulseira eletrónica. “Eles receberam financiamento público de mais de 10 mil milhões de reais (cerca de 2705 milhões de euros) a juros amigos do BNDES, e agora só vão pagar isso? É piada. É uma estalada na cara da população”, disse à “piauí” um analista financeiro.