Diz o ditado que “não há fome que não dê em fartura” e em boa verdade tem sido um pouco esse o fado recente de um Portugal genericamente deprimido e acossado pela crise financeira e pelo diretório, tanto ou quanto ditatorial, das Nações mais fortes do nosso espaço comum que obstinadamente olham para as crises tendo em conta números e não pessoas.
Não há povo mais resiliente, mais determinado, mas ao mesmo tempo mais surpreendente, que o nosso. E a essas características é indissociável uma inesgotável capacidade de sofrimento, mas sobretudo o intenso sonho de que a nossa “pequenez” volte a vingar um dia e mostre ao mundo dos insensíveis que a viagem até ao cume da montanha também se faz com a simplicidade, com o genuíno e com o amor. O amor que temos pelos outros e o amor que que temos de nós próprios apenas explicável pelo sonho, aquele que o poeta nos ensinou comandar a vida.
Nos últimos tempos tivemos vários motivos para contrariarmos em definitivo o enraizamento sectário que coloca o nosso Portugal no canto da sala. O parente pobre de um neoiluminismo e de uma neorealidade colocado no patamar dos fracos e diferentes cujo povo é genericamente caracterizado como ingovernável.
É verdade que fizemos asneiras. Grandes asneiras que nos custaram caro, mas que as pagámos, e continuamos a pagar. Comemos quase sempre, ao longo da história, “o pão que o diabo amassou”, mas também é verdade que foi sempre nos momentos de maior tensão e sofrimento que surpreendemos o mundo e concretizámos os nossos mais ínfimos sonhos coletivos.
Somos um povo de homens simples capazes de feitos extraordinários. Em bom rigor é esse o nosso destino. Capazes de unir, de fazer diferente, de sobressair na adversidade e de alcançar a luz quando à nossa volta persiste a escuridão.
No último ano, nas mais diversas áreas que vão da investigação médica às universidades, do desporto à cultura, da arquitetura à maior organização intergovernamental conhecida (ONU), alcançámos o reconhecimento internacional pelo nosso mérito e pela intrínseca dedicação às causas que abraçamos. A maioria dessas conquistas foram atos solitários que não contaram com o nosso incentivo e apoio coletivo e institucional, mas que o seu alcance granjeou o nome do nosso país e rapidamente se transformou numa vitória coletiva.
Há duas vitórias em particular que nos envolveram a todos e que demonstraram que unidos, caminhando lado a lado, conseguimos hastear lá no alto a bandeira da dignidade e da perseverança do nosso povo. Duas vitórias protagonizadas por dois insuspeitos portugueses de aspeto atarantado cuja crítica coletiva não poupou desgraças e defeitos até se render à sua inesgotável simplicidade e à intransigível força das suas prestações.
Dois anti-heróis de carrapito cuja presença em representação de Portugal apenas se apoiava numa certa condescendência coletiva. O jeito trapalhão daquele jovem institucionalizado de nome Éder que corre com a bola quase a tropeçar e que a remata sem que ninguém o fizesse prever colocando-a no fundo da baliza de um dos melhores guarda-redes do mundo selando o campeonato europeu de futebol para Portugal constitui um dos maiores momentos da nossa glória coletiva.
O outro, também ele de carrapito e jeito meio estranho, mas de voz dócil transportadora de um sentimento indescritível foi Salvador. O segundo grande responsável por aquela sensação singular que temos quando o impossível se torna possível. “A música é sentimento” disse Salvador no discurso da sua, nossa, vitória. Ser português é isso mesmo. É ter o sentimento do impossível, o sentimento de um fado imprevisível, mas capaz dos maiores feitos e das maiores surpresas. O sentimento de que somos de facto um povo de feitos extraordinários sobretudo quando menos esperam de nós.
Vice-presidente do grupo parlamentar do PSD. Docente universitário
Escreve à segunda-feira