As manifestações de segurança são também, em certa medida, representações da “expectativa”, ou seja, da representação mental e sensorial que os cidadãos reproduzem na sua relação com a comunidade. Daquilo que esperam das várias retribuições que lhes são devidas pelo Estado. É por isso que cabe à Polícia, stricto sensu, ou se preferirmos às Forças, e/ou Serviços, de Segurança, a tutela da legalidade democrática e dos princípios do Estado de direito. Que é o mesmo que dizer que é a elas que cabe a defesa das mais diversas liberdades fundamentais dos cidadãos e que a Constituição protege.
O caminho percorrido desde a reconstrução jurídica das Forças de Segurança do Estado, em 1982, até aos eventos do 11 de Setembro de 2001 foi de uma intensidade violenta. Desde a reforma iniciada em 1987 provocada pelo advento da integração na Comunidade Europeia que as nossas Forças de Segurança se encontram em profundos processos de mutação e adaptação aos desígnios políticos que guiaram o nosso país, mas que indubitavelmente criaram novos conceitos, novas realidades e novas expectativas no que diz respeito à missão primacial de tutela e salvaguarda dos nossos direitos fundamentais constitucionalmente prescritos.
A Segurança é a primeira das nossas liberdades. E o diálogo entre segurança pública e liberdade, como direito individual ou coletivo, faz-se de uma intensa relação que alude à própria ideia de Direito, que lhes atribui a dimensão de direito fundamental, cuja razão de ser se funda na sua característica indispensável para a afirmação das mais diversas liberdades. Ou seja, sem ordem e segurança pública não se concretiza a liberdade. São ambos produtos da mesma substância que dependem um do outro. É por isso também que as medidas de polícia previstas no código de processo penal, nalgumas leis penais extravagantes ou, por exemplo, na própria lei de Segurança Interna, se baseiam num fundamento axiológico jurídico-constitucional, ou seja, numa relação de mútua referência ou até mesmo de autonomia dependente com o texto constitucional.
Se é verdade que a insegurança não é um problema estrito de Policia, mas sim um problema da sociedade e da civilização, não é menos verdade que é através da expectativa que temos na Polícia que essa insegurança ou, tão grave, esse sentimento se aprofunda ou se reduz. Por isso, considerando a globalidade do fenómeno da segurança como expressão da globalidade da criminalidade e dos novos meios da sua expressão que, de resto, provocam inquestionáveis incidências locais, há uma pergunta que se impõe: que Polícia queremos ter?
Queremos uma Policia preparada, bem equipada, que garanta condições dignas aos seus profissionais e que seja implacavelmente atuante na defesa dos nossos direitos e na promoção da coesão social? Ou queremos uma Polícia agrilhoada a tempo que já não existe, à mercê do seu próprio destino cujo sucesso inquestionável das suas ações dependa exclusivamente do sacrifício e da abnegação dos seus profissionais em prol de um bem maior muitas vezes exercido em condições de verdadeira indignidade?
Hoje, um profissional das Forças de Segurança com cerca de 10 anos de carreira aufere um salário que ronda em média os de 1300 euros por mês. Não tem um sistema de saúde condigno que o proteja, beneficia antes de um sistema por acordo, mas manifestamente deficitário, considerando a perigosidade da sua função. Um operacional da PSP quando entra em funções recebe, para além do fato de instrução, apenas um fardamento completo. Se entrar no verão, o de verão, se entrar no inverno, o de inverno. Todos os acrescentos ao fardamento têm que ser pagos do seu próprio bolso. Um blusão da PSP custa em média 90 euros. Umas botas táticas quase 200 euros. As unidades de elite da PSP não têm instalações condignas. Queixam-se há anos. Há problemas graves com as reformas dos aposentados das Forças de Segurança. O clima de desmotivação é completo. Multipliquem-se os problemas da PSP pela GNR, pela PJ, pelas informações e por todos os outros.
O poder político tem a obrigação de velar por estas mulheres e homens que diariamente estão na linha da frente para garantir a nossa tranquilidade coletiva. Há dias a ministra da Administração Interna disse que “nem sempre as coisas correm como gostaríamos” fazendo um balanço do seu primeiro ano de mandato. Os problemas das Forças de Segurança não são exclusivos da sua responsabilidade nem do seu mandato. Têm décadas. Mas à sua expressão deve opor-se um ímpeto moral coletivo. Fazer de tudo para que, no que respeita à segurança e às liberdades, as coisas corram como desejamos.
Vice-presidente do grupo parlamentar
do PSD. Docente universitário
Escreve à segunda-feira