O consumo de medicamentos para o défice de atenção desceu em 2016, mas continua acima do que era habitual. BE quer travar toma excessiva e mais apoio nas escolas. Psicólogo avisa que o problema também começa em casa.
Durante o ano de 2016, os portugueses gastaram cerca de 19.550 euros por dia na compra de medicamentos como Ritalina ou Concerta, fármacos à base da substância metilfenidato, usados no tratamento de problemas como a hiperatividade e o défice de atenção. Segundos dados da consultora QuintilesIMS fornecidos ao SOL, foram gastos 7.137.442 euros na compra deste tipo de fármacos ao longo de 2016, o que representa a aquisição de 293.828 embalagens – 805 por dia.
Apesar dos números expressivos, as vendas parecem estar em queda. Em 2015, os portugueses gastaram cerca de 21.295 euros por dia em embalagens de Ritalina, o que deu uma despesa de 7.773.623 euros em todo o ano. Estes montantes representam a compra de 832 unidades por dia e 303.684 num ano. Assim, de acordo com os dados obtidos, houve, entre 2015 e 2016, uma queda de 3,2% no número de embalagens. Esta é mesmo a primeira vez nos últimos seis anos que se verifica uma queda no consumo, dados que também são confirmados pelas estatísticas fornecidas ao SOL pelo Infarmed, embora os números sejam um pouco diferentes (os dados da consultora incluem todas as vendas, mesmo sem comparticipação do SNS). Segundo o regulador, o número de embalagens baixou de 283 mil para 270 mil em 2016, depois de terem mais do que duplicado desde 2010. Um estudo disponibilizado pelo Infarmed, com dados só até 2015, vai um pouco mais longe na análise, ao revelar que um quarto destes medicamentos estão a ser consumidos por crianças até aos nove anos de idade e dois terços entre os 10 anos e os 19.
A preocupação com poder estar a haver um consumo excessivo destes medicamentos não é nova, mas torna agora a estar na agenda. O Bloco de Esquerda apresentou esta semana um projeto de resolução ao Governo para que sejam tomadas medidas no sentido de prevenir o consumo excessivo de Ritalina nas escolas, nomeadamente o reforço do número de psicólogos e técnicos especializados, com o objetivo de proporcionar «uma melhor e mais rápida identificação, e consequente acompanhamento, dos alunos com perturbação de hiperatividade com défice de atenção [PHDA]», lê-se na proposta do partido, que teve por base os últimos dados disponibilizados pela DGS, referentes a 2014. Nessa altura, as crianças portuguesas até aos 14 anos tomavam 5 milhões de doses diárias por ano deste tipo de medicamentos. Mais do que fornecer respostas, o Bloco quer que se investigue. «Tem que haver uma explicação para estes números elevados de consumo, mas esse papel não é nosso, é uma avaliação que tem que ser feita por especialistas. É por isso que defendemos que tem que haver mais gente no terreno, que passa, por exemplo, por um maior apoio psicológico nas escolas. A toma de medicamentos deve ser vista como último recurso», disse ao SOL Joana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda.
A análise mais recente do Infarmed revela que, não só são os mais novos que tomam mais estes medicamentos, como os rapazes estão a ser mais medicados. «A prescrição de medicamentos com indicação para a PHDA (Perturbação de Hiperatividade / Défice de Atenção» não é indicada como tratamento de primeira linha em todas as crianças e adolescentes», diz o Infarmed. «Destina-se a crianças ou adolescentes que apresentem sintomas severos ou moderados mas que não tenham respondido adequadamente ao tratamento psicológico».
Boa ou má recomendação?
Para já, as opiniões sobre o assunto parecem dividir-se e não é consensual que sejam por exemplo mais psicólogos nas escolas a mudar o cenário. Jorge Humberto Costa, psicólogo escolar no Agrupamento de Escolas de Valongo, e promotor da plataforma Psis Escolas, defende que há trabalho a fazer com os pais. E avisa que há alunos que estão medicados e que o seu problema não está relacionado com hiperatividade ou défice de atenção: não precisam de apoio psicológico, mas de acompanhamento em casa. «Falando de uma forma mais generalizada, os pais têm uma dificuldade muito grande em controlar o comportamento dos filhos. Hoje em dia a sociedade é demasiado consumista e os pais, que têm de trabalhar mais porque têm de gastar mais, acabam por não ter tempo para estarem próximos dos filhos. Esta ausência de tempo é compensada com bens materiais. Depois a criança acaba por jogar um pouco com isto e, consequentemente, desenvolve uma dificuldade em cumprir regras. Os pais, como não conseguem dar resposta a um comportamento desajustado, acabam por recorrer a um médico», explica o psicólogo. Já o pediatra Mário Cordeiro sublinha que a prescrição deste tipo de medicamentos deve ter em atenção cada caso em particular e que, em determinadas situações, é essencial. «Todos os casos em que não é necessário tomar Ritalina e as crianças estão medicadas, estão errados, mas todos os casos em que é necessário tomar e as crianças não o fazem, também estão errados», disse ao SOL.
Mário Cordeiro acredita que o aumento do número de psicólogos, como reclama o BE, pode ajudar a compreender melhor o cenário e diz que quaisquer medidas aplicadas devem ter em conta as pessoas que trabalham na área: «Quem propõe estas lei pode ter boas intenções, mas tem de ter a noção que a vida não é feita na Assembleia da República. As regras pelas quais nos regemos na rua, em casa, na escola, no emprego, não precisam de ser todas postas em leis ou portarias. Só quem anda no terreno sabe como as coisas funcionam». Também o PCP já tinha apresentado, em março, um projeto de lei para regular a psicologia em contexto escolar e dotar os agrupamentos de mais profissionais, passando de um rácio de um para cada 2.000 alunos para um para 800.