As eleições liquidam a esquerda e a direita?

As eleições liquidam a esquerda e a direita?


No novo planeta Macron com o satélite Le Pen, as velhas divisões ideológicas deixaram de existir? Em junho, a guerra dos tronos da política francesa será feita com divisões e pontos cardeais totalmente diferentes?


Marine Le Pen tentou fazer o discurso estratégico da noite: transformar uma derrota numa possibilidade de se colocar em vantagem na batalha das legislativas, em junho. Gastou menos de 30 segundos com questões de protocolo, em que disse que tinha sido derrotada e agradeceu aos 11 milhões de votantes na sua candidatura, e passou rapidamente à parte de fundo do seu discurso.

Para a líder da extrema-direita, na primeira volta verificou-se o afundamento, sem possibilidade de salvamento, dos antigos partidos políticos de charneira da v República francesa – republicanos e socialistas -, e na segunda volta refundou-se o novo conflito que cria um novo campo político. Em vez de haver esquerda e direita, haveria uma divisão entre patriotas e cosmopolitas. Perante isso, Marine Le Pen anunciou a criação de uma nova força política que tenha a capacidade de aglutinar todos esses patriotas. “Eu apelo a todos os patriotas que se juntem a nós para participar no combate decisivo que nos espera nos próximos tempos”, disse Marine Le Pen.

Esta tentativa de fazer um novo aggiornamento da extrema-direita, tornando-a mais aceitável para mais setores da população, provocou uma reação ácida do fundador do partido e pai da candidata, Jean-Marie Le Pen: “Esta questão dependerá de um congresso do partido. Não depende nem de Marine Le Pen nem de Florian Philippot [o estratega da campanha da candidata] que deveriam ter sido discretos, tendo em conta a derrota desta noite. Florian Philippot não pode fazer barulho nem propor uma mudança de nome. Ele deve recordar-se de que não passa de um hóspede nesta casa [o fundador relembra que Philippot só aderiu ao partido depois da liderança de Marine Le Pen, sempre dizendo que não votou no pai].”

Com este passo estratégico, Marine Le Pen pretende, por um lado, “matar” definitivamente o pai; e, por outro lado, explorar a ausência de um partido do novo presidente, Emmanuel Macron, para se tornar o primeiro partido de França ou, pelo menos, o primeiro da oposição francesa, conseguindo ultrapassar Os Republicanos. 

O que joga a favor da tese e da estratégia de Marine Le Pen? Dois aspetos, um subjetivo e outro objetivo. Primeiramente, o facto de ter duplicado os votos que a Frente Nacional teve na segunda volta em 2002, em que o pai, Jean-Marie Le Pen, obteve pouco mais de 17% ; em segundo lugar, as votações desde o referendo da Constituição Europeia até a estas eleições de 2017 demonstram uma espécie de divisão entre duas Franças: entre as grandes cidades e as camadas sociais que ganhariam com a globalização, e as pequenas cidades industriais, o campo e as camadas mais desfavorecidas, que perderiam com a globalização e a integração europeia. O problema desta análise é que ela é possível, mas não obrigatória. Está em disputa. No terreno francês estão em debate vários conflitos e até a apropriação desta crítica à globalização e à integração europeia. Não existe apenas a Frente Nacional neste terreno, mas também os votantes de Jean-Luc Mélenchon e a extrema-esquerda. 

É certo que esse setor tem muitas dificuldades em conseguir o resultado nas legislativas que teve na primeira volta das presidenciais. O sistema eleitoral francês foi construído para impedir a expressão deste tipo de partidos, e a gestão feita antes da segunda volta agudizou as divisões na Frente de Esquerda, nomeadamente entre Mélenchon e o Partido Comunista Francês. 

Apesar dessas dificuldades, o número recorde de abstencionistas numa segunda volta das presidenciais (cerca de 25,3% dos inscritos) e os 12% que depositaram votos nulos e brancos nas urnas indiciam a existência de um setor importante de franceses que seguiu a orientação da França Insubmissa de Mélenchon. É nesse sentido, escamoteando a falta de clareza da extrema-esquerda na segunda volta, que se pronunciou, sobre os resultados, a porta-voz do candidato dos Insubmissos, Raquel Garrido: “Estou satisfeita por uma maioria dos franceses ter ido às urnas para bater Marine Le Pen, era a nossa única orientação. Se os nossos eleitores não o tivessem feito, Emmanuel Macron não teria sido eleito. Nós só temos um problema, é que este presidente é pouco representativo. Os eleitores recusaram a velha política. Mas hoje há o risco de a velha política regressar durante as legislativas”, defendeu.

E este é um cenário que está em cima da mesa. Macron precisará de uma maioria presidencial e ela parece estar a ser feita a partir da implosão do Partido Socialista de Hamon e da constituição de uma nova força de ex–apoiantes de François Hollande, dirigidos pelo ex-primeiro-ministro socialista Manuel Valls, que tentará corporizar esta nova maioria presidencial. A grande incógnita será não só o sucesso desta manobra como a atitude da direita organizada n’Os Republicanos perante a presidência de Macron.

O vencedor fez o seu discurso de vitória de uma forma calma e apaziguadora. Emmanuel Macron começou por saudar os cinco anos de presidência de Hollande, dizendo que lhe cabia sobretudo “apaziguar os medos e reencontrar o espírito de conquista”. Garantiu, finalmente, governar para todos os franceses: “Bater-me-ei com todas as forças contra as divisões que nos minam e nos prejudicam.”

No início da noite, o presidente dos EUA, Donald Trump, usou o Twitter para dizer que está “muito entusiasmado por poder trabalhar com Macron”.