O presidente Macron precisa de uma geringonça


Em França, as primárias conseguiram dividir a esquerda e a direita e afastar da segunda volta das presidenciais os respetivos vencedores


O cansaço mostrado pelos cidadãos em relação à democracia representativa obriga à renovação dos figurinos, importando soluções de outras geografias, como é o caso das eleições primárias. Em França, ao contrário do que era pretendido, as primárias conseguiram dividir a esquerda e a direita e afastar da segunda volta das presidenciais os respetivos vencedores. A segunda volta, a 7 de maio, será uma repetição do duelo entre Chirac e Le Pen pai (17,8% na segunda volta) nos idos de 2002, mas com um resultado bem melhor para Marine (pelo menos o dobro do resultado paterno…). Macron será eleito presidente contra Le Pen, mas fica por construir uma maioria parlamentar que possa apoiar um governo escolhido pelo presidente. No imediato haverá um novo governo, que poderá ser de transição até às legislativas de 11 e 18 de junho, e que servirá para testar nomes, desde logo o do primeiro-ministro, para um futuro governo de legislatura.

Com que se poderá parecer uma geringonça francesa? As eleições parlamentares decorrem no sistema eleitoral maioritário a duas voltas. Dos quatro candidatos mais votados, dois, Mélenchon e Le Pen, que somam 40% dos votos, os da França “que sofre”, não devem conseguir eleger quase nenhum deputado. O PS francês está em maus lençóis e poderá ter de avançar desde a primeira volta das legislativas para coligações com a esquerda (Verdes, Parti de gauche, fundado por Mélenchon,…) ou, pelo menos, de apresentar candidatos que possam contar com o apoio destas forças.

Les Républicains poderão igualmente sofrer na pele as consequências dos maus resultados do seu candidato presidencial. Um candidato derrotado nas presidenciais e investigado pela justiça não está em condições de federar as diversas correntes do partido e de surgir como putativo primeiro-ministro de uma coabitação com o presidente Macron.

Mas quem verdadeiramente precisa de descobrir uma maioria parlamentar de apoio ao seu programa é Macron. E não se vê como vá ser possível encontrar uma maioria parlamentar que, à semelhança da maioria presidencial, junte esquerda e direita.

Macron ganhou ao centro, sem se submeter a primárias e sem ter o apoio de nenhum partido político. Mas não há democracia representativa sem partidos e parece ser impossível transformar, em tempo útil, o movimento En marche” num partido político que possa participar (e ganhar) nas eleições legislativas. São escassas as semanas de que dispõem os “marchistas” para atrair, propagandear e fazer eleger candidatos a deputados.

No limite, e mesmo antecipando um desastre eleitoral socialista e a eleição de um grupo parlamentar pelo En marche!, Macron precisa de encontrar um primeiro-ministro que possa ser aceite pel’Os Republicanos.

Macron tem sido vendido como o sopro de vida que salvará a União Europeia. Antes de tentar soprar, há que encontrar um entendimento com a Alemanha. Em período de pré-campanha eleitoral, não haverá interlocutor em Berlim antes de outubro (ou ainda mais tarde, dependendo da negociação do acordo de coligação governamental). A salvação da UE terá de aguardar mais de seis meses.

Para já, há a registar a reação muito positiva das bolsas europeias, em particular do setor bancário, bem como a valorização do euro em relação ao dólar. E, mais importante, assistimos à queda dos juros da dívida pública em França, Itália, Espanha e Portugal. Os mercados acreditam (ou querem acreditar) na evolução positiva da UE, da zona euro e das economias do Sul. A fé, mais do que mover montanhas, move os mercados.

 

Escreve à sexta-feira