A dirigente do Bloco de Esquerda Marisa Matias esteve na campanha de Jean-Luc Mélenchon, o candidato do França Insubmissa. Mas a decisão de Mélenchon de fazer um referendo interno aos seus apoiantes para saber que opção tomar na segunda volta – abstenção, voto nulo ou voto em Macron – deixa os seus “irmãos” do Bloco de Esquerda desconfortáveis.
“Essa estratégia só pode ter sentido se esse movimento se pronunciar claramente a favor do voto em Macron”, diz ao i o dirigente do Bloco José Gusmão.
Gusmão diz entender os problemas de Mélenchon: “A dificuldade política de Mélenchon é que a presidência de Macron será uma tragédia para a França. Mélenchon não quer que o seu apoio a Macron na lógica do mal menor seja confundido com o apoio àquelas políticas que têm sido defendidas por setores da esquerda portuguesa, como Francisco Assis ou Rui Tavares.”
Para Gusmão, “os argumentos a favor da decisão da consulta são no sentido de conseguir uma maior mobilização do eleitorado para a segunda volta, cenário que entusiasma muito pouco esse setor político”.
Na realidade, apesar de o Bloco jurar que Mélenchon vota em Macron contra Le Pen, o próprio continua a recusar-se a ser explícito e deixa em aberto a possibilidade de votar em branco ou nulo. Ontem, a sua porta–voz apenas garantiu que o voto do líder do França Insubmissa não será em Le Pen. Mas será, segundo a responsável do movimento, “uma escolha do foro íntimo”.
Aliás, ao contrário de Jean-Luc Mélenchon, desde o primeiro minuto que o Bloco de Esquerda jura que os eleitores de Mélenchon vão contribuir para derrotar Le Pen – o que significa obrigatoriamente engolir o macros-sapo de votar em Macron.
No comunicado que fizeram logo a seguir aos resultados eleitorais, os bloquistas eram taxativos. “O Bloco de Esquerda congratula Jean-Luc Mélenchon e o movimento França Insubmissa pelos históricos resultados de 23 de abril. Os eleitores da esquerda quiseram derrotar as ideias de Marine Le Pen na primeira volta e saberão contribuir para a derrotar na segunda volta.”
Jorge Costa, um dos mais importantes dirigentes do Bloco de Esquerda, escreveu logo no dia seguinte às eleições que, obviamente, Mélenchon mobilizaria os seus eleitores contra Le Pen. “Os críticos de Mélenchon sabem, como toda a gente sabe, que ele mobilizará contra Le Pen na segunda volta. Mas preferem pintá-lo como um egocêntrico irresponsável e inventar-lhe uma absurda equidistância face a Macron e Le Pen”, escreveu Jorge Costa, mostrando-se absolutamente convicto da escolha de Mélenchon. “Não tenho qualquer dúvida sobre qual será o seu apelo, o seu voto e o dos seus eleitores – contra Le Pen, na segunda volta (…). A esquerda nunca cultivou ambiguidades com os xenófobos e não vai começar agora.”
Mas a convicção do Bloco de Esquerda não está a ser correspondida por Mélenchon. O anúncio de ontem de que não mobilizará ninguém a favor de Macron – mantendo o voto secreto até ao dia 7 de maio, mesmo que excluindo Le Pen à partida – torna a situação mais complicada e difícil de apoiar para o Bloco, o partido-irmão português. O Partido Comunista Francês foi bastante mais prático e apelou ao voto em Macron contra “o perigo real” da ascensão da Frente Nacional ao poder. O secretário-geral do PCF apelou a Mélenchon para se definir rapidamente. Mas, aparentemente, isso não vai acontecer – só sabemos que Mélenchon não votará em Le Pen. Se vota branco ou nulo (ou em Macron), transformou-se numa “decisão íntima”.