Há muito que se fala das parecenças e dos pontos de contactos entre a Operação Marquês e o caso brasileiro Lava Jato – e são muitos. Mas se é certo que várias conclusões dos investigadores dos dois lados do Atlântico se cruzam, também não é menos verdade que a defesa de Lula da Silva e a de José Sócrates têm tido muitos traços comuns.
Esta semana, o ex-Presidente brasileiro foi ouvido pela primeira vez em sessão de audiência, depois de ter sido acusado da tentativa de comprar o silêncio do ex-diretor da petrolífera estatal Petrobras Nestor Cerveró. Ou seja, para os investigadores, Lula terá tentado que Cerveró não assinasse um acordo de colaboração premiada com o Ministério Público, com vista a contar tudo o que sabia.
Sócrates também foi ouvido, mas nas instalações do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) sobre os novos factos do inquérito Marquês, em que se investigam suspeitas de corrupção.
O pesadelo da imprensa à porta
Perante o juiz Ricardo Leite, o antigo governante brasileiro garantiu que tudo o que foi recolhido e que serviu de base à sua acusação – nomeadamente as acusações que lhe foram dirigidas pelo ex-senador Delcídio Amaral em colaboração premiada – é falso.
«Só tem um brasileiro que poderia ter medo do depoimento do Cerveró, que é o Delcídio. Ele já tinha convivência com Cerveró antes do meu governo. Todo mundo sabia da relação histórica dos dois», garantiu em tribunal o ex-Presidente do Brasil.
Lula adiantou também que se sente profundamente ofendido com a acusação de que o «Partido dos Trabalhadores seria uma organização criminosa» e lançou um desabafo: «O senhor sabe o que é levantar todo dia achando que a imprensa está na porta da minha casa porque eu vou ser preso?».
A questão colocada ao juiz na primeira vez que Lula foi ouvido como réu na Operação Lava Jato foi uma das frases que marcou a atualidade no Brasil. Por aqui as frases foram outras, mas muitas das críticas foram comuns, como por exemplo, o título de um dos comunicados de Sócrates: «Sem factos ou provas, mas com manchetes».
‘Uma escutazinha aqui, outra ali…’
Em Lisboa, esta foi uma semana chave para a operação que tem como principal arguido José Sócrates. O antigo governante português foi ouvido no DCIAP a poucas horas do fim do prazo estabelecido em setembro pela Procuradora Geral da República, Joana Marques Vidal, para o fim da investigação. E ontem ficou a saber-se que a equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira terá mais algum tempo para fechar o inquérito (ver pág.7).
O ex-primeiro-ministro terá sido confrontado pelo procurador Rosário Teixeira com alguns dos últimos dados recolhidos sobre o caso relativo à fusão da Oi e da Portugal Telecom, negócio que o MP acredita estar na origem de alegadas luvas – todas transferidas do universo Espírito Santo.
À saída do DCIAP, Sócrates disse não haver nem uma prova contra si.
«Fiquei espantadíssimo porque o Ministério Público não foi capaz de apresentar nada, a não ser uma escutazinha aqui e outra ali», defendeu.
A situação foi mesmo descrita pelo antigo líder do Partido Socialista como «absurda» e «estapafúrdia».
«O negócio da fusão com a Oi foi feito, muito mais tarde, em 2013. Podem pedir responsabilidades ao Governo de Passos Coelho que tomou a decisão de abdicar da Golden Share», justificou, afirmando tal como Lula já o fez, que está a ser vítima de uma «encenação mediática» e de uma «campanha de difamação».
‘A violência desenfreada’
Quando ontem ficou a conhecer a decisão de Joana Marques Vidal, que aceitou a prorrogação do prazo de encerramento de inquérito sem definir uma nova data, a defesa de José Sócrates apressou-se a afirmar que se tratou de uma posição «ilegal e ilegítima». Dizem ainda que isso «representa a consagração e a adoção, agora sem disfarce ou cautela, do que caracteriza este processo desde o seu início – a violência desenfreada sobre as pessoas; o desrespeito absoluto pelos direitos e garantias dos arguidos».
A violação de direitos dos arguidos foram críticas que o ex-Presidente do Brasil também já fez por diversas vezes, nomeadamente ao MP daquele país e ao juiz federal Sérgio Moro, que presidiu aos processos em que foi investigado.
O que os une, no caso Marquês
A equipa do DCIAP acredita que a venda da participação da Portugal Telecom na Vivo (à Telefónica espanhola), em 2011, só se concretizou quando foi garantido que parte do dinheiro resultante da transação seria investida na Oi – empresa que, à época, estava a passar por uma asfixia financeira, tendo beneficiado de uma injeção de dinheiros públicos decidida pelo Governo de Lula da Silva. E os procuradores adiantam que essa estratégia terá sido definida entre Sócrates e o próprio Lula.
Aliás, o ex-governante português terá, segundo a investigação, vetado num primeiro momento a venda da Vivo, usando a Golden Share do Estado na PT, para forçar a seguir a compra da Oi.
Outra das conclusões – que é importante por alegadamente explicar a origem do dinheiro que acabara na esfera do ex-primeiro-ministro – é o facto de o negócio ter sido favorável ao Grupo Espírito Santo, acionista da PT, e a alguns políticos brasileiros e portugueses.
A PT vendeu a sua parte da Vivo por 7,5 mil milhões de euros, e adquiriu uma participação de 22% no capital da Oi por 3,7 mil milhões de euros, valor claramente excessivo.
Segundo os investigadores, o alegado conluio entre José Sócrates e o poder político brasileiro (além de Lula envolveu também o seu antigo homem forte José Dirceu) terá estado na origem de uma parte significativa das ‘luvas’ que o primeiro-ministro terá recebido.
Entre 2006 e 2011 foram feitas diversas movimentações financeiras de milhões de euros com origem no universo GES e destino final as contas de Carlos Santos Silva (suposto testa-de-ferro de José Sócrates). Segundo a equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira, o Grupo Espírito Santo, enquanto acionista da PT, foi um dos grandes beneficiários das decisões tomadas por Sócrates no âmbito dos negócios envolvendo a PT.