A pequena cimeira entre a França, Itália, Espanha e Alemanha revelou a pior das nossas expetativas. A ideia de que uma “Europa a 27 já não pode ser uniforme a 27”, conforme defendeu o líder socialista francês, é o assumir do falhanço do projeto que fundou a Europa que conhecemos como um espaço de liberdade, segurança e justiça, e como espaço de integração social e económica, envergonhando o legado de estadistas como Schuman, Churchill, Adenauer ou Monnet, que fundaram a ideia de espaço comum como via para o desenvolvimento e integração.
No ano em que se comemoram os 60 anos do Tratado de Roma, que instituiu a Comunidade Económica Europeia, os desafios, anseios e receios dos europeus não poderiam ser maiores. A integração está a dar lugar a uma paulatina desintegração. Não absolutamente formal, tirando o caso grave do Brexit, mas a uma desintegração mental dos povos que não almeja esperança e arrojo nas lideranças europeias para encontrarem uma solução que, ao invés de nos dividir, nos fortaleça e nos una enquanto grande nação multicultural. Claro que este sentimento se traduz em atos, e a ascensão de partidos extremistas e isolacionistas de esquerda e de direita afirma-se perante a ineptidão dos nossos principais representantes.
Hollande, comprovadamente incapaz de liderar um país que sempre serviu de contraponto aos laivos orientadores e dirigistas de países como a Alemanha é, como, de resto, todos os ratos, o primeiro não só a reconhecer como a promover o divisionismo material deste nosso espaço. Não é por isso causa de especial admiração que, à beira das eleições francesas, a esquerda se veja órfã de uma liderança forte, capaz de mobilizar e unir os franceses contra a direita extremista, e se veja obrigada a recorrer a um independente, Macron, como último reduto para a salvar de uma desgraça consecutivamente adiada.
Os problemas na Europa são óbvios e a falta de liderança, aliada a estas manifestações de desespero e, em certa medida, de um reconhecimento cobarde do seu falhanço, é um contributo indesejável que apenas fortalece o ceticismo e descrença dos europeus, além de reforçar ingerências e dúvidas quanto à sua organização formal, nunca tão evidentes desde que a América de Trump se juntou ao coro de outras potências internacionais que viam na Europa unida uma ameaça.
A pequenez de líderes como Hollande fez com que a questão dos refugiados não passasse de mera propaganda, sem a capacidade mínima de lhes prover uma desejável integração. As situações desumanas a que assistimos com os refugiados na Grécia ou em Itália, aliadas às manifestações desumanas de Estados como a Hungria ou a Dinamarca e à incapacidade de uma solução efetiva de integração desta gente que viu na Europa a salvação da sua vida, não são condizentes com os pressupostos da nossa fundação. O excesso de securitarismo como resposta à incapacidade de uma resposta global de combate ao terrorismo e à criminalidade organizada, muito por causa da prevalência das relações económicas sobre o bem-estar global e a segurança, e, agora, esta ideia peregrina de uma Europa a duas velocidades são a demonstração cabal de que caminhamos para um ponto sem retorno que transformará, inquestionavelmente para pior, as nossas vidas, a nossa organização social e as nossas expetativas em relação ao nosso futuro.
Mas claro que a pequenez política é contagiosa. Até porque dá jeito nalgumas situações, como é o caso da portuguesa, que está mais concentrada em manter as suas lógicas de poder interno do que em proteger o futuro das suas gentes, que têm numa Europa igualitária mais oportunidades e mais futuro.
A ideia de uma Europa a duas velocidades agrada, naturalmente, a António Costa e ao seu governo, que se sustenta num pacto tripartido com partidos antieuropeus. As duas velocidades da Europa permitem a Costa manter a identidade de um PS europeísta, ainda que muito menos do que sempre foi, mas também lhe dá a possibilidade de satisfazer os seus camaradas extremistas em matérias tão essenciais como a renegociação da dívida, a revisão dos tratados e o desacelerar do aprofundamento económico. Mas a lógica da manutenção do poder pelo poder tem um óbice. E ele está no nosso futuro e na nossa ambição individual e coletiva. Não podemos nunca transformar os nossos vícios em virtudes, reformar a sério e transformar o país se não formos ambiciosos e não quisermos criar condições para estarmos também no pelotão da frente, com os grandes. A promessa de Costa de “bater o pé à Europa” devia estar já em marcha. Mas numa marcha contrária. Aquela em que ou nos unimos ou nos destruímos.
Deputado
Escreve à segunda-feira