Estamos todos muito preocupados com a ascensão dos populismos na Europa, com a sra. Le Pen em França ou com o sr. Wilders na Holanda. Mas nas nossas barbas está a ganhar força um populismo muito mais nefasto: é o populismo de centro, mais dissimulado nas palavras e menos violento nos modos, o que o torna mais tolerável pelo eleitorado e, por isso mesmo, mais perigoso. António Costa está aos comandos de uma solução de governo que casou dois populismos, o da extrema-esquerda e o da esquerda aparentemente moderada, num estilo de governação que impõe aos portugueses a aceitação de verdades autoevidentes, como o fim da crise e o paraíso para 10 milhões. Há uma maioria circunstancial em Portugal que quer impor, por todos os meios, a sua vontade e a sua visão da realidade.
Os sinais de stresse democrático começam a ser evidentes.
Instituições independentes, como o Banco de Portugal ou o Conselho de Finanças Públicas, estão debaixo da artilharia da maioria das esquerdas.
O parlamento, por seu turno, vive um período excecional de obstrução da oposição no trabalho de fiscalização do governo.
No espaço público há profissionais pagos para papaguear a propaganda do governo e bloggers aliciados a vender espaços para o culto do chefe, com o objetivo de manipular a agenda mediática.
Com este clima, não surpreende que até as brigadas de imberbes da extrema–esquerda nas associações de estudantes tenham força para amordaçar professores em plena universidade.
Citando Ferro Rodrigues, são as “novas circunstâncias democráticas”.
Nestas novas circunstâncias recuperam-se tradições antigas. Como o espírito belicoso dos socialistas de punho cerrado, pronto a bater. Os socialistas recuperaram o famoso slogan “quem se mete com o PS leva!”. Só que agora leva com mais força.
Teodora Cardoso não se deixa catequizar pela teologia orçamental do governo. Leva!
Carlos Costa tenta segurar a independência do banco central. Leva!
Mas não tenhamos ilusões sobre os fundamentos destes ataques. Mais do que reflexo de animosidades pessoais, eles são, e talvez seja o mais importante, sinal de um enorme desprezo que o PS, PCP e BE têm pelos poderes mediadores e pelas instituições independentes.
As coisas são como são: se dependesse destes partidos, não sobrava uma única entidade reguladora ou de supervisão independente em Portugal. Porque PS, PCP e BE abominam estruturas sobre as quais não tenham controlo direto ou indireto. Crentes, como são, na infalibilidade e omnipotência do Estado, eles não compreendem uma existência orgânica decente fora do Leviatã.
As pulsões iliberais das forças que sustentam o governo têm tração no terreno político, especialmente no caso do Conselho de Finanças Públicas (CFP) e no Banco de Portugal (BdP).
Teodora Cardoso tem sido descredibilizada por falhar previsões – a única previsão que a especialista falhou foi, com rigor, o número de planos (b, c e d, com perdões fiscais e esmagamento do investimento) que o governo viria pôr em marcha para controlar os danos. Os comunistas, aqueles que nunca pedem demissões de ministros (do atual governo), voltaram ao regime das soluções finais: exigem cabeças. Bom, mas se pelos padrões do PCP falhar previsões for razão para demitir quem quer que seja, então é bom que António Costa faça as malas, porque falhou todas as previsões de crescimento, de investimento e de controlo da dívida pública. Aparentemente, acertou no défice, ainda que a propaganda do governo não jogue, uma vez mais, com a realidade. Até hoje, o défice mais baixo da democracia portuguesa foi 2,13%, uma marca conseguida por Miguel Cadilhe, em 1989, seguindo uma fórmula oposta à de Centeno. Isto é, com investimento, sem aumento brutal de impostos e sem fazer sangrar a economia.
Carlos Costa é o alvo preferencial da troika de esquerdas. O argumento são as falhas de supervisão, evidentes, que vêm na tradição do socialista Vítor Constâncio, a gozar um exílio de ouro em Frankfurt. Mas não é só a competência do regulador que está em jogo. Há vingança e jogos de influência pelo caminho. Primeiro, o governo é de tal modo irresponsável que não se importa que o Banco de Portugal seja refém das vendetas de Mário Centeno. Depois, já ninguém esconde a ideia de estender até ao regulador o músculo político da frente das esquerdas. É nesse contexto que deve ser lida a entrada de Francisco Louçã no conselho consultivo do banco, por proposta de Centeno.
Louçã é um dos líderes espirituais do Syriza. E a sua chegada ao BdP faz-me lembrar uma história com um par de anos. Conquistado o poder na Grécia, o Syriza tinha um plano para voltar à dracma. Esse plano corria em três estádios: esvaziar os cofres do banco central, prender o governador e pedir ajuda a Moscovo.
Com a entrada do Varoufakis do Quelhas no BdP, os ataques violentos a Carlos Costa e os socialistas no poder em São Bento, temo que o plano grego esteja quase completo em Portugal. Se ouvir chamar por Moscovo, é melhor fugir.
Escreve à quarta-feira