Mão de Ferro em luva de veludo


Por este andar, a segunda figura do Estado ficará reduzida a um papel de sacerdote de uma maioria parlamentar cada vez mais autoritária e radical. Ferro não tem idade nem estatuto para isso


O provérbio não poderia encaixar melhor naquela que tem sido a condução dos trabalhos parlamentares desta nova legislatura. Os episódios recentes no parlamento que envolvem Ferro Rodrigues na sua relação com os partidos da oposição são do mais atentatório que existe no que respeita à garantia dos direito de iniciativa das minorias parlamentares.

Sob que pretexto pode um presidente do Parlamento tecer consideração subjetivas sobre a ação politica dos partidos? Certamente sob nenhum. Mas não tem isso essa a realidade do Parlamento português, onde o seu presidente, eleito nas circunstâncias em que todos nos recordamos, tem optado por ser mais uma muleta desta maioria do que representar condignamente os ofícios da segunda figura do Estado.

Existem inúmeras evidências de conivência tática e politica entre o governo, os partidos da maioria parlamentar e o presidente do Parlamento. Não se trata de nenhum queixume descabido da “direita” para atrair as atenções.

Ferro Rodrigues tem sido compadre da esquerda no boicote aos trabalhos parlamentares promovidos pela oposição. O caso das Comissões de Inquérito à CGD são tantos e tão paradigmáticos que nem o mero espanto consegue escamotear a indignidade do joguete a que o presidente do Parlamento se tem prestado.

Assistir à postura do presidente da Assembleia da República, que considera a revolta da oposição ao boicote do funcionamento de uma comissão parlamentar de inquérito um “mau serviço à democracia”, é, de facto, desolador para todos aqueles que acreditam na democracia, no Estado de Direito e na pluralidade de opinião e ação política.

Para justificar a sua posição, Ferro afirma: “Efectivamente a minha imparcialidade é total. É evidente que há pessoas que continuam a pensar que a maioria é a mesma de há um ano e meio, mas, infelizmente para elas, não é e, portanto, têm que se habituar às novas regras e às novas circunstâncias democráticas da Assembleia da República”, sugerindo a óbvia correlação entre as novas circunstâncias e regras à sua imparcialidade.

Trata-se, portanto, de uma imparcialidade modelada ao sabor das novas regras do Parlamento, que é o mesmo que dizer que a democracia de algibeira constituinte da nova realidade parlamentar impele a uma imparcialidade encarada de forma muito parcial. Não sei bem que novas regras são estas a que o PAR se refere nem, tão pouco, que novas circunstâncias são essas que impedem o livre exercício de direitos dos partidos da oposição. Não conheço nenhuma rutura na ordem constitucional que leve Ferro a moldar o exercício da sua função à boçalidade deste tempo novo que se diz de esquerda mas que atua com tiques de um autoritarismo que a pior das direitas poderia ter.

Aquilo que sei é que, por este andar, a segunda figura do estado português ficará reduzida a um papel de sacerdote de um governo e de uma maioria parlamentar cada vez mais autoritária e radical, que exerce a sua política com base em falsas suspeitas e processos de intenção muito pouco condizentes com o patriotismo que nos impingiram e com a desejável pluralidade política.

Ao contrário da maioria parlamentar, Ferro pode ainda tornar-se um presidente imparcial e promotor não apenas da liberdade de ação dos partidos com assento parlamentar como do exercício parlamentar plural que a nossa lei fundamental caracteriza. Tem tempo para emendar a mão e perceber que não tem nem estatuto nem idade para se prestar a tal papel. Sem necessidade de considerações políticas, sem necessidade de abraçar esquemas dilatórios sobre a atividade dos partidos, sem necessidade de transportar a bandeira da tal “nova realidade” que diz existir. Caso contrário correrá o risco de quando afixarem o seu quadro no corredor dos presidentes do Parlamento, ele fique torto sem sermos nós a ter a necessidade de inclinar a cabeça.

 

Deputado.

Escreve à segunda-feira