José Wallenstein. “Não estava à espera desta mobilização. Tem sido galopante”

José Wallenstein. “Não estava à espera desta mobilização. Tem sido galopante”


Petição contra o peso excessivo das mochilas dos alunos encerra hoje e será entregue no parlamento na próxima sexta-feira


Termina hoje à meia-noite a recolha de assinaturas da petição que pede o fim do peso excessivo das mochilas das crianças portuguesas. No espaço de um mês, o repto lançado pelo ator José Wallen-stein, pela jornalista Cláudia Pinto, pela Confederação de Pais e por várias sociedades de saúde reuniu mais de 47 mil subscritores – uma adesão “muito significativa” que nem os mentores esperavam. Em conversa com o i, José Wallen-stein conta como surgiu a ideia e apresenta várias soluções. “Não quero que os meus filhos sejam burros de carga”, avisa o ator, para quem “é um crime” o peso que os alunos têm de carregar para a escola. Em Portugal, além de regras sobre a gramagem do papel dos livros escolares, não existe qualquer legislação sobre o assunto. Wallenstein não tem dúvidas: está na hora de proteger as crianças. O pedido chegará formalmente ao parlamento na próxima sexta-feira.

Como surgiu a ideia da petição?

Tenho dois filhos pequenos, com dois e cinco anos, e vários sobrinhos mais velhos. Tive a ideia de lançar a petição e decidi fazê-lo com o apoio de médicos, sociedades médicas e associações de pais, porque não quero que os meus filhos sejam burros de carga. E esta é a imagem que tenho do que acontece hoje, é a isto que tenho assistido. 

Quando andava na escola não era assim? 

Lembro-me da minha pasta da escola e era pequenina. Era a pasta à antiga, mochila de costas clássica. Não me lembro de carregar tantos livros. 

Por que motivo avançaram agora com uma petição quando é um problema que se arrasta há anos?

Sim. Tem sido discutido na sociedade portuguesa pelas comunidades escolares, com os pais e sociedades médicas e científicas. Há alertas desde 2003, quando a DECO fez o primeiro estudo sério que se conhece sobre esta matéria. E há vários estudos posteriores que alertam para este grave problema de saúde pública. Portanto, esta petição tem o objetivo de alertar os políticos para o escândalo, para não dizer o crime, que é todos os dias as crianças e os jovens deste país carregarem um peso incrível às costas para irem para a escola, para estarem na escola e para voltarem para casa. É algo que os lesa de forma grave na sua saúde e bem-estar, e com consequências futuras. Considero que isto é mesmo um problema de saúde pública. E esta petição pretende alertar, mais uma vez, os políticos para esta questão, responsabilizando-os para legislarem sobre esta matéria, com o nosso apoio. Somos mais de 47 mil peticionários.

Estava à espera desta mobilização?

Confesso que não estava. É uma adesão muito significativa num mês. Há muito tempo, quer por experiência pessoal, com os meus sobrinhos e filhos, quer falando com pais, que isto era algo que ecoava na minha cabeça. Obviamente que faço isto pelos meus filhos, que ainda são pequenos e estão no pré-escolar, mas faço isto pelas crianças e pelos jovens deste país. Está na hora de legislar.

Que tipo de reação tem recebido? 

Positiva. Muitas pessoas deram-me os parabéns pela iniciativa quer pessoalmente, quer através dos comentários online. A petição reflete a preocupação de muitos pais.

Vão entregar a petição esta semana?

Sim. Sexta-feira às 14 horas. A petição é dirigida ao presidente da Assembleia da República e vai ser delegada na deputada Teresa Caeiro. Vamos descarregar uma pen na quarta-feira [hoje] para levar à Assembleia. 

Já conversaram com algum partido ou deputado sobre a petição?

Não. Até ao momento, não.

Quais são as vossas propostas?

Temos propostas concretas. É preciso dizer que esta tem sido uma preocupação de pais de todo o mundo. Existe legislação em vários países europeus como a França, a Finlândia ou a Dinamarca. O decreto-lei deve seguir o que é recomendado pelas sociedades científicas e médicas, quer americanas quer europeias: as mochilas não devem ter mais do que 10% do peso corporal das crianças. Penso que esta devia ser a questão estruturante de um futuro decreto-lei.

E como seria possível atingir esse objetivo?

Optando, por exemplo, pelo suporte digital. É uma questão que mais cedo ou mais tarde se irá colocar porque a sociedade de Gutenberg está a acabar. Esta é uma extraordinária oportunidade legislativa para se colocar esta questão. Não sou pedagogo, mas esta questão do suporte digital nos materiais escolares tem de ser colocada. Se calhar, não em todos, mas em parte. Claro que vai levantar vários problemas, mas é algo que devemos equacionar. Penso que os manuais escolares em suporte digital devem ser opção de cada escola, e há pobreza em Portugal e há desigualdades sociais a ter em atenção. Mas também sei que isto vai mexer com lóbis e cá estaremos, peticionários, para apoiar os legisladores e os políticos nesta matéria. Deve ser dada também a indicação de que os livros devem ser produzidos em papel mais fino e com conteúdos mais concisos e mais sintéticos. Não é preciso tanta carga de informação e tanto peso. Com isto, penso que iria diminuir significativamente o peso dos livros. 

Que outras sugestões têm?

Caso não se siga a opção do digital, as escolas devem ter cacifos para todos os alunos, sobretudo as escolas grandes. Parece-me o mínimo. Vivemos num país de mobiliário! Não será assim tão caro o Estado contratualizar com empresas os cacifos para que os alunos possam deixar materiais que não precisam de carregar todos os dias de casa para a escola. Deve haver também uma pesagem regular das mochilas para responsabilizar os pais por controlarem o peso que os alunos carregam todos os dias para a escola.

E como pode funcionar essa responsabilização?

Através de uma comunicação, tal como hoje os professores comunicam que faltou o material ou que o aluno faltou à aula.

Com este número de assinaturas, os peticionários já têm direito a apresentar uma proposta legislativa. Vão fazê-lo?

Isto é uma petição independente, nascida na sociedade civil, que só quer dar eco das preocupações das famílias, das comunidades científica e médica. Espero que a democracia funcione e que isto não caia em saco roto. Segundo a lei da petição, a partir de 4 mil assinaturas, o parlamento terá de discutir o assunto e dar indicações ao governo, o que espero que ocorra e que isto seja um ato que demonstre que vivemos em democracia.

Mas vão transferir as vossas propostas para um decreto-lei de forma a ser votado no parlamento ou não?

Vamos ver como a questão se coloca. Mas sou pai, não sou legislador nem político. Nem sequer pedagogo nem cientista. Existem mais de 40 mil signatários, a petição tem propostas concretas. Não me vão pedir para legislar porque os deputados são pagos para legislar. Mas cá estarei para ajudar os signatários e os partidos políticos.

Caso os partidos não avancem com nenhuma proposta e nada mude, o que admitem fazer?

Não quero acreditar nessa hipótese. Existe legislação muito clara sobre a matéria. 

Uma outra questão que tem vindo a ser discutida e que pode estar ligada ao peso das mochilas são os trabalhos de casa. Vocês equacionam medidas nesta vertente?

Não. Não tenho competência pedagógica para me debruçar sobre este assunto. O único assunto que me interessa é o que consigo constatar, que é o peso excessivo das mochilas das crianças.