Não há forma possível de se sair bem disto. Nem o governo nem nós, simples contribuintes, que assistimos impávidos e serenos ao desbaratar dos nossos impostos para se acorrer à banca em detrimento das garantias mais básicas que o Estado nos deve prover.
Tudo aquilo a que assistimos em torno da Caixa Geral de Depósitos é sinónimo do mais elementar desrespeito perpetrado por algum poder político que continua a usar e abusar dos nossos recursos, do poder que lhes conferimos, mas sobretudo da nossa paciência.
Quem mente são os mentirosos. E por ordem de razão, se Mário Centeno mentiu ao parlamento (por mais do que uma vez, diga-se) em relação a compromissos assumidos com António Domingues e a anterior administração da CGD, isso faz dele um mentiroso. Não há outra forma de o dizer.
Tudo isto nos provoca um certo espanto. A história da Caixa sempre foi carreada com silêncios e misteriosas contradições por parte do governo. Não é possível achar-se normal, depois de tudo o que foi publicamente afirmado sobre o assunto, que um ministro das Finanças, com o óbvio conhecimento do primeiro-ministro, dê como garantidas a uma administração do banco público, por si escolhida, “um conjunto de condições acordadas para aceitar o desafio de liderar a CGD”.
Sobretudo porque essas tais “condições” assentavam em três premissas muito simples, mas absolutamente preocupantes: não cumprimento da lei no que respeita à sujeição dos rendimentos dos gestores ao Tribunal Constitucional; um escritório de advogados escolhido pelo presidente da Caixa para a formulação de um texto legislativo que excetuasse os gestores da CGD das exigências do Estatuto do Gestor Público, portanto, uma lei à medida; e, não menos grave, a orquestração de tudo isto nas nossas costas, num acordo escondido entre governo, gestores e advogados sem qualquer decoro numa evidente violação do princípio democrático.
Mas não menos espantosas são algumas das reações a todo este truque. Ouvir personalidades que em tempos defenderam uma “política da verdade” contra o rumo que o governo de José Sócrates imprimia ao país dizerem que tudo isto são “tricas” e que importante é a CGD, revelando uma certa condescendência com a mentira, é tão assombroso que apenas o respeito e o decoro etário me impede de qualificar.
Não vale a pena referir o silêncio da “esquerda patriótica”, pois a esse já lhe aferimos a dimensão moral há muito tempo. Bem pode o PCP dizer que nunca pediu a demissão de ministros e governos, que todos sabemos que o circunstancialismo se instalou naquele partido em detrimento das suas profundas convicções de sempre.
Mas o colo presidencial à exposição da mentira ao público e às instituições democráticas, e à negociata privada de assuntos públicos, reveste evidentemente um certo desajustamento factual e, porventura, uma considerável dúvida quando em confronto com os poderes de vigilância do normal funcionamento das instituições. A não ser, claro, que à custa de uma falsa estabilidade governativa tudo seja permitido. Mas, se assim for, facilmente se prevê o desfecho que assumirá.
Este “tempo novo” que nos venderam há pouco mais de um ano está a empurrar-nos paulatinamente para o precipício dos valores, da ética e da democrática responsabilidade que temos perante as pessoas. É um tempo em que tudo é permitido. É um tempo de descrédito institucional. Governar sob esta batuta vai ter repercussões terríveis num futuro não tão longínquo quanto isso. Na Caixa começaram por jurar que ninguém tinha mentido; agora, que se percebeu que mentiram mesmo, desvalorizam a suas próprias mentiras com areia nos olhos das pessoas. Para eles, a culpa é de Passos, da conjuntura ou do Benfica. Não importa. E assim vão destruindo o sistema. Mais uma vez.
Deputado
Escreve à segunda-feira