Cancro não é igual em todo o país

Cancro não é igual em todo o país


Como acontece em todo o mundo, há diferenças regionais na incidência de cancro no país mas ainda estão pouco estudadas. Registo Oncológico Nacional poderá trazer respostas.


Os cancros mais frequentes no país são o colorretal, o da próstata (nos homens), o da mama (nas mulheres) e o cancro do pulmão. Mas sabia que os tumores do cólon nos homens são mais comuns nos distritos de Braga, Porto e Évora? E que, nestes três distritos, o cancro do cólon é duas vezes mais frequente do que em Viseu, a zona com menor incidência deste tumor no mapa nacional? Ou ainda que, no geral, há maior incidência de cancro no litoral do país e nos Açores?

Se lá fora começam a ser publicadas diferentes análises sobre as diferenças regionais na incidência mas também na mortalidade por cancro, por cá este tem sido um capítulo pouco desenvolvido.

No final dos anos 80 foram criados registos oncológicos regionais, que compilam informação sobre o diagnóstico de cancro no país e taxas de mortalidade a partir de dados fornecidos pelos hospitais. A informação é publicada separadamente por cada registo regional (Norte, Centro e Sul e ilhas) mas, desde o virar do milénio, começou a ser disponibilizado um relatório que compila os resultados nacionais.

Os dados são publicados com desfasamento temporal, uma vez que está em causa analisar os diagnósticos feitos num determinado ano e perceber a sobrevivência desses doentes ao fim de três ou cinco anos.

O último relatório nacional foi publicado no ano passado e diz respeito aos casos de cancro diagnosticados no país em 2010. É lá que se apuram os últimos mapas de incidência dos tumores malignos no país que o SOL publica nestas páginas. O Governo decidiu avançar entretanto com a criação de um Registo Oncológico Nacional, que deverá agilizar o processo de recolha e tratamento de dados, que nos últimos anos se tem limitado a pouco mais que páginas e páginas com tabelas.

Nuno Miranda, diretor nacional do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas da Direção Geral da Saúde, admite que uma das intenções é ter uma análise mais profunda sobre as assimetrias nacionais que têm sido encontradas, mas também encurtar o desfasamento temporal de apuramento dos dados. «Atualmente temos dados nacionais com um desfasamento de seis anos, o que me parece excessivo. Integrando os registos e unificando as metodologias de análise de dados, com sistemas informáticos mais robustos, será possível ter dados pelo menos sobre a incidência a cada dois anos», defende o responsável.

Pretende-se afinar estratégias de prevenção de estilos de vida, que se pensa explicarem algumas diferenças regionais encontradas, mas também aproveitar melhor o rastreio. Por enquanto, a criação do RON está dependente dos trabalhos no Parlamento, que terá de aprovar a nova legislação.

Cinco novos casos por hora

Sem data para avançar o registo nacional, eis o que se sabe. De acordo com esta publicação, que o SOL analisou, em 2010 foram diagnosticados 46.724 novos casos de cancro em Portugal, uma subida de 4,5% face ao ano anterior.

Este número representa 128 diagnósticos por dia, ou cinco novos casos por hora. Sendo já um número elevado, não têm faltado alertas de que no futuro – fruto do envelhecimento da população, que aumenta o risco de doença oncológica, mas também de estilos de vida e da poluição – o peso do cancro no mundo será muito maior. Daí os alertas reiterados para que se previna o que pode ser prevenido, para que aumente o rastreio e deteção precoce e para que melhorem os tratamentos.

Para Portugal, as últimas projeções internacionais revelam que, já em 2020, deverá haver perto de 54 mil novos casos de cancro por ano no país – uma subida de 15% face ao que se verificava em 2010. As estimativas, que é possível obter no portal GLOBOCAN da Agência Internacional para a Investigação do Cancro da Organização Mundial de Saúde, sugerem ainda que, em 2030, o país registará cerca de 60 mil novos casos de cancro todos os anos. Em 2050, pensa-se que metade da população poderá enfrentar um cancro ao longo da vida.

À procura de explicações nos estilos de vida

Nuno Miranda sublinha que, apesar de não haver um estudo aprofundado no país para explicar as assimetrias regionais, há trabalho feito. A maior incidência do cancro do cólon mas também do estômago no Norte do país estará relacionada com hábitos alimentares com o maior consumo de produtos de fumeiro e salgadeira, cuja ingestão excessiva aumenta o risco de doença oncológica. Maiores níveis de tabagismo e de ingestão de álcool também poderão explicar a maior incidência de cancros da cabeça e do pescoço como o tumor do esófago no Norte e nos Açores. Já a maior incidência de cancro do colo do útero regista-se no Algarve, o que o especialista acredita que poderá estar ligado a uma «maior mobilidade» da população e, por isso, maior número de parceiros sexuais – que aumenta o risco de exposição ao vírus do papiloma humano. O cancro da próstata regista maior incidência nos distritos de Coimbra e Açores. No caso deste tumor, incidências mais elevadas poderão resultar da existência de populações mais envelhecidas, uma vez que esta é uma doença que aumenta de forma expressiva com a idade.

Quanto à maior incidência de cancro no litoral do país, Miranda sublinha que o acesso a rastreios e diagnóstico não deverá ser um fator explicativo. «Os dados que temos sugerem-nos que até é nas zonas rurais que as pessoas aderem mais aos rastreios», conclui o responsável. Obesidade e sedentarismo podem também vir a ajudar a perceber o mapa do cancro no país.