Mário Soares. O Presidente dos 8% até aos 70% e a unanimidade nacional

Mário Soares. O Presidente dos 8% até aos 70% e a unanimidade nacional


A vitória nas presidenciais de 86 era improvável mas, como Soares dizia, só é vencido quem desiste de lutar. A não desistência permitiu 10 anos em Belém, populares e polémicos.


Tudo começou com 8%. Depois de ser chefe do Governo do Bloco Central, e de ter tomado duríssimas medidas de austeridade, as hipóteses de Soares ser eleito Presidente eram quase nulas, segundo as sondagens. Havia um acordo não escrito com Mota Pinto, então líder do PSD. O PSD apoiaria a candidatura de Soares à Presidência e Mota Pinto, até então vice-primeiro-ministro, assumiria a chefia do Governo. Mas a morte inesperada de Mota Pinto acaba com esta hipótese: o novo líder do PSD chama-se Cavaco Silva e tem dois objetivos imediatos – rebentar com a coligação governamental PS-PSD e apoiar a candidatura presidencial de Freitas do Amaral, o fundador do CDS. O Governo do Bloco Central acaba – em 12 de junho de 1985 Soares já é um primeiro-ministro demissionário quando assina nos Jerónimos a adesão de Portugal à então CEE. Em outubro, Cavaco Silva ganha as eleições sem maioria absoluta. O PS, já sem Soares que estava em campanha presidencial, mas com Almeida Santos como primeira figura, tem um dos resultados mais baixos da sua história: 20,77%. 

Em janeiro, a campanha presidencial é uma das mais duras de sempre. O país está bipolarizado como não acontecia desde 1975. Na primeira volta, a 26 de janeiro de 1986, Mário Soares teve apenas 25,4% dos votos (pouco mais do que a percentagem de eleitores que votou PS três meses antes) contra 46,3% de Diogo Freitas do Amaral. Na segunda volta, a 16 de fevereiro – já com o apoio do PCP que antes, ao lado do PRD de Eanes, tinha apoiado Salgado Zenha, o antigo número 2 do PS que entrou em conflito com Soares e obteve 20,8% – torna-se Presidente da República eleito com 51,1% dos votos. Freitas do Amaral tem 48,8%. 

Quando vence as eleições, Soares tem um objetivo claro. Ele, que sabia quando chegou a Lisboa no dia 28 de abril exatamente o que queria para o país – uma social-democracia europeia – também sabia nesse fevereiro que agora era o tempo de conquistar a metade do país que não tinha votado nele. Nesse discurso, feito da varanda da sede do MASP (Movimento de Apoio Soares à Presidência), num prédio na praça do Saldanha, afirma-se «Presidente de todos os portugueses» – a frase que lhe ficaria colada à pele no novo cargo. 

Teve oportunidade para fazer as pazes com a metade do país que, por esses dias, o odiava. A grande oportunidade aconteceu quando a Assembleia da República derruba o Governo minoritário de Cavaco Silva logo no ano seguinte, em 1987. O PS liderado por Vítor Constâncio queria fazer uma aliança com o PRD do general Eanes e convencer o Presidente a aceitar um governo a partir dessa geringonça. Mário Soares não aceitou, dissolveu o Parlamento e convocou eleições antecipadas. E deu inesperadamente a primeira maioria absoluta a Cavaco Silva, a 19 de julho de 1987. 

A coabitação, nos primeiros tempos, foi aceitável. Soares ia conquistando o país através das suas presidências abertas e, sem surpresas, o PSD de Cavaco apoia a recandidatura de Mário Soares nas presidenciais de 1991. 

As dificuldades tornar-se-ão mais agudas depois. Soares nunca gostou de Cavaco Silva – a chegada do antigo ministro das Finanças de Sá Carneiro à liderança do PSD apanhou-o de surpresa como, aliás, à maioria dos portugueses. Mas o segundo mandato presidencial também é acompanhado por uma degradação da economia e do apoio popular ao Governo. Soares acusa Cavaco de «governamentalizar» o Estado, nomeadamente a RTP, e o PSD e Cavaco reagem acusando o Presidente de ser «uma força de bloqueio». Curiosamente, um dos principais porta-vozes do PSD para atacar Soares era um homem que tinha feito parte da primeira comissão de candidatura de Soares, Pacheco Pereira, que se tinha depois tornado também muito próximo de Cavaco Silva. 

Mário Soares veta vários diplomas importantes para o Governo. Acusa a Assembleia da República de se ter transformado «progressivamente de órgão fiscalizador numa caixa de ressonância do partido maioritário». As relações degradam-se a um ponto em que Mário Soares chega a reunir os seus mais próximos amigos e conselheiros no histórico ‘jantar do Aviz’, em junho de 1993, onde se discutiu a hipótese de dissolver a Assembleia da República e convocar eleições antecipadas. Uma manchete do Expresso ‘Presidente discutiu dissolução com núcleo duro do ex-MASP’, faz tocar as campainhas no país político. Era a prova da profunda distância que agora existia entre Cavaco e Soares. Em abril de 1993, três meses antes do jantar do Aviz, Soares recusou-se a participar nas cerimónias do 25 de abril na Assembleia da República, solidarizando-se com os jornalista em greve, que protestavam contra a aprovação de um regulamento da maioria PSD que lhes impedia a liberdade de movimentos no Parlamento. 

Mas Soares Presidente – que continua a ter elevados índices de popularidade nas sondagens – tem outro medo na recta final do seu mandato: que António Guterres não seja capaz de vencer as Legislativas de 1995. Como qualquer líder da oposição, Guterres revelava fraquezas que não escapavam ao olho politicamente clínico de Soares. E então faz o impensável: organiza o congresso ‘Portugal que Futuro’ em maio de 1994, que se torna um forum de oposicionistas ao Governo em funções – e também um balde de água fria não só no Governo como no líder do principal partido da oposição. 

Mas na verdade Soares sai de Belém com duas vitórias: o PS ganha as eleições e o seu sucessor não será Cavaco Silva, mas o também socialista Jorge Sampaio.￶