Quando poucos em Portugal sabiam que era possível comer peixe cru, já Paulo Trancoso estava habituado ao sushi e aos pauzinhos. O produtor de cinema queria encontrar em Lisboa os restaurantes que fazia questão de visitar quando viajava em trabalho e, por isso, reuniu as tropas suficientes para abrir o Bonsai em pleno Bairro Alto.
Não que a comida japonesa fosse um deserto em Lisboa, mas quase. Havia dois restaurantes temáticos, mas nenhum deles servia sushi. No topo da Rua da Rosa há sushi, há sashimi, há niguiri, mas não só. Aliás, desengane-se quem acha que comida japonesa é sushi.
“Era o mesmo que dizer que cozido é comida portuguesa”, diz prontamente Luísa Yocochi, filha de Shintaro e Irma, que depois do arranque dado por Paulo, assumiram o restaurante como seu. A atual responsável pelo Bonsai lembra que o sushi – tal como o cozido à portuguesa – é comida “de domingo, de aniversário, de festa ou funeral”.
Talvez por isso seja preciso folhear uma ou duas páginas até chegar ao tão afamado sushi no menu do Bonsai. Antes há que passar pelas saladas, as tempuras, os pratos de arroz e de massa. Se acertar na roleta do ramen, pode ter a sorte de provar um dos pratos mais famosos da casa, mas que é servido apenas de 15 em 15 dias durante o Inverno. Ao almoço, a ementa é de executivo e nunca fixa: “Varia sempre conforme os legumes e o peixe que há no mercado. É comida caseira, do dia-a-dia”, garante Luísa.
Servir japonês em 86 Shintaro veio para Lisboa ser treinador de natação. “Depois de ter levado os miúdos todos aos Jogos Olímpicos, achou que estava na hora de mudar de vida”, conta a a filha. Desafiado por um amigo, decidiu dar a conhecer a gastronomia japonesa a Portugal e, para isso, assumiu como seu o restaurante para o qual já trabalhava como fornecedor de produtos japoneses, que importava do Oriente.
Bem longe do fogão – função que deixou, e bem, para a mulher Irma – dedicou-se às relações públicas e a fazer do restaurante uma marca. A Irma, que podia agora dar azo à imaginação depois de anos a ter que esperar por visitas do Japão para lhe trazerem o vinagre de arroz ou as ameixas secas típicas da comida japonesa, foram-se juntando vários cozinheiros ao longo dos anos.
Todos os que saíram acabaram por abrir restaurantes próprios no Japão, mas deixaram marca no menu que tem vindo a ser atualizado, sem perder “os inevitáveis” – como lhes chama Luísa – sushi e tempuras. “Era o mesmo que ir a uma tasca portuguesa e não haver bacalhau à Brás, não pode ser”, diz.
Apesar de rapidamente se terem tornado numa referência gastronómica na cidade, Luísa recorda ainda os primeiros olhares de estranheza e os dias em que a porta só abria para receber turistas e japoneses. “As pessoas não sabiam nada sobre a nossa cultura, a nossa comida e, na altura, a comunidade japonesa em Lisboa era mínima”.
Foi aos poucos que foram conquistando Lisboa e hoje em dia, a clientela é variada. “Há quem venha para o sushi, há quem nos procure exatamente porque não temos só sushi, há quem venha para o ramen, ou para comer a mesma salada que servimos à 15 anos”, garante.
Sobreviver ao boom Se em 1986, ano em que foi assinada a escritura para a abertura do restaurante, sushi era chinês – ou japonês, neste caso – para os portugueses, atualmente é rara a cidade que não tem um restaurante japonês. E, em Lisboa, brotam em cada esquina.
Em trinta anos, o Bonsai resistiu à tentação de se tornar um “’all you can eat’ como tantos outros” e prefere manter os preços acima da média para garantir a qualidade. “Aqui o peixe é de mar e não há peixe com três dias. Isso paga-se”, salienta Luísa, que vê com bons olhos a abertura de espaços semelhantes ao seu. “Quando abre um restaurante japonês de qualidade é bom para nós, cria público de qualidade e esse chega para todos”. O problema para a responsável do Bonsai está na proliferação dos restaurantes que se dizem japoneses, mas que de japonês têm pouco. “Esses sim, são um problema. Criam um público que se habitua a comer barato e sem qualidade”, explica.
O novo Bonsai A altura é de comemorações, que começam este mês com almoços e jantares temáticos e se vão prolongar até 2017, com exposições no restaurante que, num futuro próximo, vai sofrer remodelações. “Não adianta renovar a ementa quando precisamos de novas canalizações e ligações elétricas”, ironiza.
Para já, Luísa e a família aproveitam uma boa fase do restaurante, recuperada pelo chef Ricardo Komori e a mulher Mio, que assumiram o restaurante até ao ano passado. Entretanto voltaram ao Japão para, tal como os antecessores, abrirem espaço próprio e os Yokochi voltaram à ação. Luísa e os pais contam agora com o chef Lucas Azevedo a conduzir uma cozinha que cedo aprendeu a andar sozinha e cujo balcão aberto não deixa esconder segredos. “Fazemos tudo com gosto, acho que é por aí”, conclui Luísa.