O cancro traz presentes!


A cada Natal o meu deslumbramento pela vida aumenta. E esse é o primeiro presente que o cancro deixa no meu sapatinho e que faz parte da “check-list” mais valiosa do mundo


O cancro não usa barba branca, não é comparável a um idoso simpático e não tem renas a trabalharem com ele. O cancro não se veste todo de vermelho, nem aparece pela chaminé ao meio da noite. Na verdade, nem utiliza relógio porque qualquer hora lhe serve para aparecer. Também não acredito que alguém tenha vontade de sentar crianças ao colo do cancro, pedindo-lhes que sorriam para a fotografia. Definitivamente, o cancro não é uma figura amistosa. Mas a verdade, é que apesar de ninguém gostar do cancro, há uma coisa que ele tem em comum com o Pai Natal e que é bem fixe: 

O cancro traz presentes. 

Para um anormal como o cancro, pode parecer-te impossível que o moço tenha um tão generoso gesto, mas há uma explicação para tal. Naturalmente, o cancro não sabe que anda a distribuir presentes. Não é essa a sua intenção. Ele não sabe que isso é uma consequência da sua existência e que, quer o deseje ou não, está obrigado a faze-lo eternamente – como se fosse uma espécie de castigo divino, atribuído pelos justos deuses.

 “Cancro, por tirares tanto aos outros a dado momento das suas vidas, em contrapartida, estarás condenado a oferecer presentes pela eternidade fora – mesmo depois de teres ido embora das vidas daqueles que atormentaste. E o pior, é que nem te aperceberás que o estás a fazer”.

Comigo, é assim que funciona o pacto. Mesmo que eu já não viva com ele (divorciei-me do sacana há 13 anos), o cancro está condenado a presentear-me durante o ano todo e com especial enfâse durante a época de Natal. Podemos dizer, que o cancro me paga uma pensão vitalícia. 

Não, o gajo nunca me ofereceu o telemóvel novo nem aquelas calças que me ficariam tão bem no rabo. É muito melhor e maior do que isso. O palerma traz-me coisas de valores tão imensuráveis, que qualquer bilionário, competindo com estas oferendas, ficaria envergonhado. O cancro faz de mim rica sem me dar um tostão.

A cada Natal o meu deslumbramento pela vida aumenta. E esse é o primeiro presente que o cancro deixa no meu sapatinho e que faz parte da check-list mais valiosa do mundo. No ano passado, por exemplo, só para veres a minha sorte, estive a noite toda a lembrar-me de quão sortuda sou por estar viva. Depois da perda do Pedro, conseguir saborear o Natal e sentir-me em paz e grata por estar ali, a aquecer os pés na lareira dos meus pais é um privilégio de poucos. Poucos conseguiriam viver uma época tão emotiva e especial como o Natal, sentindo-se amados e confiantes, depois de uma dor recente tão profunda. Sobretudo, depois de ter sido o cancro o responsável por esse sofrimento. 

Acho que por ele me ter feito tão mal tantas vezes (ao marcar-me o corpo, a alma e ao roubar-me amores), sou compensada em dobro. E é por isso, que recebo gratidão em caixas maiores.

O cancro ofereceu-me também a capacidade de saber estar verdadeiramente no momento presente. Lembro-me de estar de olhos molhados, presos à mesa onde passaria a consoada, arrebatada com a honra de estar ali. Quanto às luzes? São a cada ano mais brilhantes e intensas. Mais inacreditáveis por as conseguir ver. O cancro deu-me a capacidade de amar o tempo e de amar envelhecer, porque essa é a única prova de que continuo viva. 

O cancro deu-me um amor pela vida bem maior do que o medo que me provocou, ao tentar tirá-la. 

Feliz Natal!

 

Blogger

Escreve à quinta-feira