Negociar a Dívida?  as sete razões para o Governo mudar o discurso

Negociar a Dívida? as sete razões para o Governo mudar o discurso


Eduardo Cabrita e Vieira da Silva trouxeram para a discussão a necessidade de repensar as regras da dívida. O tom ainda é cauteloso, mas é sinal de uma mudança ditada por duas razões internas e cinco que vêm de fora.


António Costa definiu há muito um plano para o tema da dívida: procurar encontrar apoios para não ficar a falar sozinho na Europa. A lição do Syriza foi bem aprendida e ditou a cautela do primeiro-ministro português. Mas, nos últimos dias, o Governo começou a dar sinais de estar a mudar a estratégia.

Esta semana foram dois os ministros que, pela primeira vez, admitiram que o Governo está à procura de acelerar soluções para lidar com um problema cada vez maior: os mais de oito mil milhões de euros que o país paga por ano só em juros e que praticamente inviabilizam qualquer investimento público.

Ministros admitem urgência de soluções
Eduardo Cabrita optou por um tom ainda cauteloso, mas não fugiu à ideia da necessidade de olhar de frente para a questão. «Quanto mais nós tivermos afirmado o rigor das nossas contas públicas e a capacidade de, consistentemente, cumprirmos as nossas obrigações num quadro europeu, maior capacidade teremos de participar, construtiva e ativamente nesse debate, que, aliás, vários ministros das finanças europeus já iniciaram, no quadro das instituições europeias», disse à Renascença o ministro Adjunto, pondo o tema na agenda.
Vieira da Silva foi mais ousado e recusou a ideia de ficar à espera de dados como o resultado das eleições alemãs para avançar numa discussão que começa a parecer urgente. «Não podemos estar paralisados à espera da próxima eleição, porque senão a União Europeia estará num impasse prolongado», defendeu à Antena1 o ministro do Trabalho, admitindo que é necessário encontrar condições para o investimento e o crescimento «tão depressa quanto possível».
Será difícil que Costa se afaste radicalmente da linha que definiu, mas há pelo menos duas razões internas e cinco externas para que o discurso comece a mudar.

Pressão à esquerda e prioridade política para 2017
A primeira razão interna tem que ver com a relação com os parceiros à esquerda. Esgotados os pontos de reposição de rendimentos dos acordos iniciais de apoio ao Governo, vão ser cada vez maiores as pressões de BE e PCP para aumentar o investimento público. E essas medidas não se conseguem sem uma solução para a dívida, como bloquistas e comunistas têm insistentemente repetido.
Mas a segunda razão interna é mais complexa e já está contida nas declarações que Cabrita e Vieira da Silva fizeram esta semana. António Costa escolheu a economia e o crescimento como as prioridades para a segunda parte do seu mandato como primeiro-ministro, mas Costa sabe que para haver margem para políticas de estímulo terá de se libertar da pressão dos juros que continuam a subir e que podem crescer ainda mais nos próximos meses.

O drama da banca e a falta de aliados europeus
É que as pressões externas vão agravar-se significativamente em 2017. Um dos primeiros problemas tem a ver com a situação da banca italiana e o efeito de contágio que poderá ter, nomeadamente nos bancos alemães. 
Com o Novo Banco ainda por vender e o perigo de o processo de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos levar outros bancos portugueses a ter de reconhecer imparidades que ainda não estão contabilizadas como tal, a banca é um problema sério que faz soar campainhas de alarme nos investidores e aumenta a pressão sobre os juros da dívida.
Outra dor de cabeça é o problema político criado pelo referendo que afastou Matteo Renzi da liderança do Governo italiano. António Costa está sem aliados de peso na discussão europeia sobre a dívida: Renzi saiu e o Governo italiano está a prazo até fevereiro de 2018, em Espanha o PP de Rajoy continua no poder e em França François Hollande está numa crise de popularidade com o país já a pensar nas eleições de 2017 e no perigo do crescimento da Frente Nacional.

O exemplo grego
A Grécia continua a não ser um exemplo que António Costa queira seguir e os desenvolvimentos desta semana mostram porquê. Alexis Tsipras sentiu esta semana na pele os efeitos de ter optado por uma política de reposição de rendimentos. O Governo grego aprovou um programa de 617 milhões de euros para pagar um bónus entre os 300 e os 830 euros aos pensionistas que recebam até 850 euros mensais e o Eurogrupo decidiu a suspensão do alívio da dívida grega.
Desafiando Bruxelas, Tsipras – que tem estado a cair nas sondagens – avançou com a medida e, apesar de Hollande ter dito esperar «que a Grécia seja tratada com dignidade», a solidariedade francesa não chegou para evitar a suspensão.
Por cá, a decisão caiu mal no Largo do Rato. «Parece que há quem queira castigar a Grécia por um aumento de pensões e por uma descida do IVA para as ilhas com economias mais frágeis. Talvez esses sejam os mesmos que ainda acreditam que se salvam as economias apertando o pescoço às pessoas. Espero que, desta vez, todos os socialistas por essa Europa fora estejam do lado certo: recusar a chantagem contra a Grécia», reagiu no Facebook o dirigente socialista Porfírio Silva.

O prazo de validade da ajuda do BCE
A decisão do Eurogrupo também causou reações no BE. «Ao cuidado de quem continua a propor que esperemos pela sensatez/compaixão das instituições europeias. Em anexo, uma cadeirinha», ironizou o bloquista José Gusmão, que partilhou com este comentário, na sua página de Facebook, a notícia da suspensão do alívio à dívida grega.
Entretanto, as notícias que vieram de Frankfurt não são as piores, mas contribuem para a ideia de que é preciso encontrar uma saída para o problema dos juros. Mario Draghi decidiu prolongar até final de dezembro de 2017 o programa de compra de ativos do BCE que estava previsto acabar em março. Mas há sinais de que Portugal está perto de atingir o limite de dívida absorvida por este programa.
Draghi decidiu, pelo menos para já, não mexer nos limites de compra. E o resultado foi um alerta do Commerzbank, segundo o qual «parece óbvio que o atual programa do BCE vai atingir o limite em 2018: são más notícias para Portugal, país onde o limite de 33% já está perto de ser atingido».

Merkel sem margem interna para ser mais flexível
Se é verdade que o resultado do Brexit fez Bruxelas atenuar o discurso da austeridade, o facto de a Alemanha ter eleições marcadas em 2017 não ajuda a que a Europa adote políticas mais flexíveis no que toca às metas financeiras.
Angela Merkel está muito pressionada internamente pela subida do partido de extrema-direita Alternative für Deutschland, que a descreve como demasiado complacente com as dívidas dos países do sul. E isso pode fazer a chanceler alemã optar por um discurso mais rígido em Bruxelas.
Todo este clima internacional ajuda em grande medida a explicar a ligeira inflexão de discurso no Governo. Mas o facto de dois ministros terem aberto a porta à discussão de um tema que a direita considera que deveria ser tabu fez Pedro Passos Coelho lançar um duro ataque ao Governo.
«Quando o Governo aceita pronunciar-se sobre estas matérias comporta-se como um pirómano e está a lançar fogo para tudo o que está à sua volta», criticou o líder do PSD esta quinta-feira. Passos considerou mesmo que estas declarações equivalem a «ações de piromania» numa altura em que «os mercados andam agitados e onde a volatilidade é muito maior».