Andam a dizer mal de ti. Desculpa contar–te sem aviso prévio, sem paninhos quentes, sem meias-palavras, mas acho que já não tens paciência para tretas. Depois de teres conhecido a morte passaste a ficar despido de superficialidades. Ao menos isso. Em minha defesa, digo-te que não pude mesmo evitar contar-te (e olha que não sou de intrigas! – eu sei, essa é a desculpa dos intriguistas) porque não concordo com o que estão a fazer contigo. E também nunca fui capaz de estar calada.
Andam a dizer por aí que perdeste a batalha. Que não aguentaste. Que ele ganhou contra ti. Que foste vencido. Que te matou.
Eu sei que custa a acreditar (depois de tudo o que passaste) que se refiram a ti desta maneira, mas as pessoas ainda acham que morrer é acabar. Que morrer é perder. E é desta forma que se pronunciam sobre o fim da tua estadia na terra – com uma negatividade e falta de cor que não poderias suportar.
Se dizem ou escrevem que “perdeste a batalha contra o cancro”, referem-se a ti como perdedor. Não me parece justo que te acusem de fracassar, que te deem o segundo lugar, principalmente quando foste o primeiro em tudo. O primeiro a querer viver. O primeiro a saber viver. O primeiro a mostrar em casa e na rua como se vive. E eles tinham de saber isso.
Mas deixa-me dizer-te também que a maior parte das pessoas não o faz por mal. Anunciam e expressam assim a dor pela tua morte porque não sabem o quão essas palavras te diminuem e nunca te dignificam. Fazem-no porque não entenderam nada. Porque não aprenderam o suficiente contigo. Porque viram tudo mal e porque são todos uns grandes vesgos.
Estes pessimistas que prolificam frases cliché não entendem que te estão a entregar a medalha de participação, daquelas que se dá a toda a gente para contentar. Só porque se foi lá, só porque se participou, daquelas que se trazem obrigatoriamente, mesmo que não tenha existido nem esforço nem brio. E não, não posso deixar que te coloquem essa medalha ao peito porque não aceito nada menos que o hino e a bandeira a meia haste, porque tu foste e hás-de ser o primeiro da tua história. Nunca perdeste. Foste sempre vitória.
Mas pior do que ser pessimista e vesgo é ser preguiçoso. E desses há tantos que, se não fossem tão mandriões e lontras, convidava-os a irem todos para o mesmo canto da sala, só para se adormecerem uns aos outros de tédio. Esses preguiçosos que escrevem e falam sem esforço, sem alma e por pena, vomitam “RIP” por aí porque nem se dão ao trabalho de escrever as palavras por inteiro. Nem na morte têm tempo para escrever poesia. São esses que me enervam mais.
São os que não estimulam, não acrescentam, são os que não te dedicam linhas (não falo dos que não conseguem exprimir-se por palavras, mas reclamo dos que escolhem encolhê-las por apatia) que me incomodam. Porque esses estão a falar de ti. E se falam de ti, deveriam fazê-lo com total entrega ou não fazê-lo de todo. Se não for para continuar o teu legado, para te contar como a melhor história, para te relembrar como aprendizagem, mais vale não dizerem e não escreverem nada.
E, agora, um minuto de silêncio. Não por ti, mas sim por todos os que escrevem “RIP” só para participar na “notícia” da tua partida, sem a real vontade de te dar a conhecer, e que, por mim, bem poderia significar “Ridiculamente Incapaz de me Pronunciar”.
P.S. Não precisas que saibam que morreste. Só importa reter que, se te trouxermos no melhor de nós, nunca morrerás.