Começa a ser confrangedor assistir todos os dias ao apoio descarado que Marcelo Rebelo de Sousa tem vindo a dar ao governo de António Costa. O Presidente acompanha o primeiro–ministro para todo o lado, seja em Portugal, numa conferência do poder local, seja em Nova Iorque, para assistir ao juramento de António Guterres. Mas para além desse acompanhamento constante existe um alinhamento total nos discursos de ambos, quase parecendo os célebres Dupond e Dupont. O Presidente proclama que a situação do país está excelente e o primeiro- -ministro diz mesmo mais, que a situação do país está excelente.
Ainda recentemente vimos isso perante uma notícia alarmante: a de que as exportações tinham caído 3,5% em outubro. O que diz o Presidente sobre isto? Ironicamente, proclama que tem um “feeling” de que as exportações vão crescer muito em novembro. E o que responde o primeiro-ministro? Que se o Presidente tem esse feeling, não será ele quem irá contrariar o feeling. A questão é que os assuntos do Estado não são uma brincadeira, tendo os portugueses direito a conhecer a situação concreta do país, e não os feelings do Presidente, a fazer lembrar os velhos factos políticos que Marcelo era exímio a inventar. Como na célebre canção, com este Presidente, o país agora está reduzido a assistir apenas a “feelings, nothing more than feelings”.
Não ocorreu até agora na história da democracia portuguesa um caso semelhante de um Presidente que tenha estado tão próximo do governo. Nem quando o Presidente e o primeiro-ministro foram da mesma cor política, como Sampaio e Guterres ou Cavaco e Passos Coelho, se assistiu alguma vez em Portugal a um Presidente tão colaborante com o governo. Com isto, Marcelo pode achar que vai ter a reeleição assegurada com os votos da esquerda, mas perde qualquer oportunidade de ser a figura de referência para que o país se volte numa altura de crise. Marcelo está a ligar o seu destino ao governo da geringonça, pelo que, se este cair, Marcelo perderá toda a sua influência política. Dupond e Dupont estarão sempre indissoluvelmente ligados, para o bem e para o mal.
Professor da Faculdade de Direito de Lisboa
Escreve à terça-feira