Foram 6,8 milhões de toneladas de resíduos de embalagens enviados para reciclagem. Atualmente, 71% dos portugueses já reciclam. Há, espalhados por todo o país, 43 mil ecopontos e o sistema de recolha seletiva pôs fim às mais de 300 lixeiras que ainda funcionavam a céu aberto em Portugal.
Os números são grandes, fazem manchetes e enchem de orgulho quem tem trabalhado nos últimos vinte anos para pôr Portugal a reciclar. No entanto, apesar de todos os esforços, a evolução que começou por ser sempre positiva está a passar por uma fase de estagnação.
Carmen Lima, responsável pelo Centro de Informação de Resíduos da Quercus, assinala a crise económica como possível justificação para que Portugal tenha vindo a apresentar, nos últimos dez anos, uma linha cada vez mais horizontal no que diz respeito à reciclagem de resíduos urbanos. “Começou a ser frequente a fuga de materiais para mercados paralelos”, recorda a especialista, que aponta o metal e o papel como os dois principais materiais contrafeitos. “As pessoas vão aos ecopontos, retiram esses resíduos e vendem diretamente às recicladores, o que vai enviesar os números do setor”, explica.
Metas quase impossíveis Apesar de estarmos perto da média europeia no que diz respeito à percentagem de embalagens recicladas em Portugal – 61,5%, valor nacional, face a 65,3% – o mesmo não se pode dizer quanto aos resíduos urbanos, ou seja, a totalidade de lixo que se produz em casa e dos quais apenas 25% são embalagens.
Segundo dados disponibilizados pela ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Água e de Resíduos) e revistos esta semana pela associação ambientalista Zero, em 2015, Portugal reciclou apenas 28% dos seus resíduos urbanos, um desempenho que fica aquém da meta de 50% imposta pela União Europeia.
Rui Berkemeier, especialista em resíduos da associação Zero, explica ao i que este número é calculado tendo como base apenas o material que pode ser reciclado. “Se as contas fossem feitas contando com tudo o resto, ou seja, têxteis e eletrodomésticos, por exemplo, a nossa percentagem de reciclagem de resíduos urbanos era ainda menor, ficando à volta dos 21%”, refere.
São estes números que põem as duas principais associações ambientalistas do país de pé atrás quanto ao cumprimento de metas. Rui Berkemeier considera mesmo que são metas “impossíveis de cumprir”. Já Carmen Lima, da Quercus, admite que ainda uma margem de manobra, mas que exige uma mudança de práticas que, até ao momento, não viu acontecer. Isto porque os dois responsáveis não têm dúvidas quanto ao sistema de recolha de lixo com maior impacto positivo nos resultados, e não é aquele que está a ser posto em prática na maioria do território nacional. “Está provado que a recolha porta-a-porta tem 80% melhores resultados do que o sistema de ecopontos”, lembra Carmen, referindo que “infelizmente” isto só acontece em Lisboa e na Maia.
Rui Berkemeier lembra que o ecoponto “exige um esforço extra que as pessoas não estão interessadas em fazer” e que, perante a dificuldade que advém de uma tentativa de mudar comportamentos, o mais sensato seria passar para a recolha à porta de casa. Neste caso, o especialista refere ainda que, a ser implementado este sistema, que se aproveitasse para impôr melhorias, nomeadamente no que diz respeito ao lixo orgânico. “Atualmente a recolha seletiva de lixo orgânico só é feito em restaurantes e, mesmo assim, a níveis residuais”, lembra. O tratamento desses resíduos é feito pela Valorsul, em Lisboa, pela Lipor, no Porto e por outras vinte unidades de tratamento mecânico-biológico (TMB). Rui defende que também o lixo doméstico devia entrar nesta lógica, já que atualmente o seu destino é, na maioria das vezes, a incineração. “Assim, não se recupera o que ainda pode ser reciclável”, acrescenta.
Taxas Apesar de concordar com a necessidade de aproximar o sistema de recolha de lixo do cidadão, Rui Berkemeier acredita que esta medida não pode ser única. Para o especialista, uma das soluções passa por uma Taxa de Gestão de Resíduos (TGR) que incentive a reciclagem. Recorde-se que atualmente, essa taxa é cobrada na fatura da água, o que não valoriza ou, por outro lado, penaliza quem faz ou não reciclagem. “A taxa paga pelas entidades que fazem a gestão dos resíduos urbanos é insignificante para quem envia resíduos recicláveis para incinerar e é muito baixa para quem envia para aterro”, lembra. Esse dinheiro, devia ser usado, na opinião do especialista em resíduos, para premiar os sistemas com melhores resultados.
Ainda sobre taxas, Carmen Lima, propõe a implementação generalizada do modelo de tarifação de resíduos PAYT – Pay as You Throw (pague apenas o que deita fora, em português). “Este é um sistema que poderia substituir a TGR e que passa a premiar aqueles que fazem separação”, salienta.
Lisboa vai ser a primeira cidade portuguesa a testar este modelo. Ainda em fase piloto, vão ser entregues contentores individuais com um chip e cada utilizador terá um cartão de identificação para acesso aos contentores públicos. Através de um site, será possível consultar a produção de resíduos obter os respetivos dados para faturação.
