Estava com tantas saudades de escrever. Sentei-me agora à primeira mesa que comprámos juntos (nova e linda para nós – porque é nossa –, usada e velha para quem a vendeu no OLX) e que decidimos se tornaria o meu novo santuário. A mesa branca adorável mas mal pintada está encostada à janela vaidosa, que veste o cortinado cor de laranja feito pelas mãos da minha mãe. Em cima da mesa tenho pela primeira vez, umas flores roxas que me fazem rir. Não que tenham graça, mas porque transmitem cor e vida e isso faz-me sempre feliz. Deixo escorrer a música que oiço aleatoriamente, ouvindo o que calha, porque vivo apaixonada pelo acaso e finjo que sou uma pianista de dedos finos que se senta em frente do piano, respira fundo e faz a sua música.
É aqui que escrevo.
Estava com saudades de escrever porque agora tenho menos tempo para o fazer. Não gosto de ter tempo contado para o que quer que seja, mas não há outra maneira de se conseguir fazer várias coisas ao mesmo tempo. Esta é a minha nova realidade – sou uma amante da escrita que não pode estar sempre com ela mas que a tem diariamente nos seus pensamentos e que, logo que pode, corre para os seus braços fazendo juras de amor.
Estas saudades que tenho da escrita – são ótimas numa relação – fazem-me perceber que nem todos somos capazes da proeza de nos adaptarmos com a máxima tranquilidade à nossa nova versão. E eu dou por mim a ter também resistência à mudança.
Detestamos perder o controlo. Deixar de fazer e de ser aquilo que já fazíamos e já éramos de cor pode dar cabo de nós. Ninguém lida com facilidade com o facto de hoje ser o senhor doutor e amanhã passar a ser apenas o Toino, e até para o Toino, que agora passou a ser senhor doutor, é difícil aceitar a mudança. Custa deixar o velho casaco com borboto, que nem nos fica assim tão bem, por um novo que ainda não tem o nosso cheiro. Custa enveredar por outro carreiro, perigoso porventura, não sabemos – pode ter outras escolhas que ainda não queremos.
Custa agir diferente porque isso significa que vamos conhecer-nos de outro ângulo – quando toda a gente sabe que o nosso melhor lado é mesmo o esquerdo.
Custa mudar mesmo que saibamos como mudar significa evoluir e que evoluir significa viver. Bolas, é difícil ser pessoa.
Confesso que vivi o primeiro dia de grande mudança (deste mês) na minha vida, sempre que pude e que ninguém via, a chorar. E nem estava triste. Estava e estou bastante feliz com as minhas escolhas, mas dei por mim a chorar como se não estivesse. Dizem, aliás, que sonhar com água significa que passaremos por alguma mudança. Não sei se acredito nisso. Mas, por outro lado, acho que não conseguimos passar por nenhuma mudança sem nos transformarmos em estado líquido…
Chorar faz parte do processo natural de deixarmos a velha pele e pode não significar tristeza, pode mesmo indicar alívio, mas chorar, com ranho e soluços e exagero, faz parte. Nem tentes evitar o dilúvio. Se não te exprimires através das lágrimas, do desabafo, inundas-te por dentro e afogas-te em ti. Mas não te preocupes, tens desculpa. Afinal, todos sabemos que é difícil ser pessoa. E é por isso que os animais nos dão tanto carinho – têm pena de nós.