Os sociais-democratas de sofá


O eleitor que pensar que Rui Rio terá a “sensibilidade social” que faltou a Passos, desengane-se. E o militante que pensar que Rui Rio é candidato a primeiro-ministro também


Um veterano social-democrata com quem gosto de conversar tem o péssimo hábito de fundir futebol e política. Se o futebol é um jogo em que são onze contra onze e no fim ganham os alemães, em Portugal é PS ou PSD e no fim aumentam-se os impostos (e também ganham os alemães). Coisas assim.

Foi então com particular ânsia que lhe pedi uma metáfora desportiva para o ‘fenómeno’ Rui Rio.

Ele sorriu, olhou para o lado e perguntou se me lembrava do Januzaj, eterna promessa do Manchester United.

Quando o clube estava em baixo de forma, um jogador mediano como o Januzaj sobressaía. Viam-se capas de jornais inteiras e uma enorme especulação sobre o seu futuro nos relvados ingleses. No fundo, é o que se passa com Rui Rio. O PSD está em baixo de forma, o jogador mediano destaca-se, o entusiasmo dispara.

Analistas bem mais à esquerda do que eu, como Ana Sá Lopes ou Daniel Oliveira, alertam para o populismo que gira em torno da personalidade do ex-presidente da Câmara do Porto, comparando-o até mesmo a Donald Trump. Se populismo é prometer o que não se vai cumprir, o paralelo é justificado. A máscara que Rio veste de ‘social-democrata’ puritano, favorável a ‘recentrar’ o partido, é algo falsa. O eleitor que pensar que tem em Rio alguém socialmente sensível está enganado. É um homem das contas. Se Pedro Passos Coelho caiu, de facto, na tecnocracia durante o período de ajustamento, Rui Rio é um autocrata por convicção, não por memorandos. Ser social-democrata no sofá enquanto os outros governam num pós-bancarrota é como ser treinador de bancada: é fácil, todos fazem. Essa aura de salvador que seduz alguma gente é felizmente compensada por uma coisa constantemente criticada: o aparelho partidário.

É certo que a estrutura do partido se sentirá naturalmente preocupada com o PSD a bater nos 30% em sondagem e com um líder que tem metade da popularidade do Presidente da República. Mas também é certo que nenhum dirigente local se revoltará contra Passos antes das autárquicas, até porque muitos deles ainda dependem da sua aprovação para serem candidatos em 2017. A longo prazo, um aparelho que receia as consequências que a austeridade deixa num líder não pode querer passar de Passos para Rio. A mudança não seria inconsequente, seria regressiva.

Peço-lhe, meu caro leitor, que não interprete o ponto sobre Rui Rio como uma elevação de Pedro Passos Coelho. O atual presidente do PSD não tem liderado a oposição, não procura um equilíbrio entre eleitoralismo e suicídio eleitoral e, contrariamente ao previsto, só viu a sua adesão popular baixar desde que António Costa lhe furtou a chefia de governo, formando a conhecida ‘geringonça’. Mas mais: os erros de Passos começam bem antes de 2015: ter esperado pelas legislativas para revelar que o ‘enorme aumento de impostos’ se deveu ao memorando ser negociado pelo Partido Socialista com um défice enviesado foi incompreensível. Ter uma voz ativa no Conselho Europeu e não fazer marketing político desses conseguimentos foi quase indolente. Desculpem, mas ganhar eleições não legitima todas as escolhas que foram tomadas antes da vitória, que até acabou por não o ser.

O facto é que Passos esteve, aguentou, ficou e, para felicidade do PS, recusa largar a coerência. Está mais do que legitimado em congresso e em ato eleitoral, o que o torna internamente intocável. É, nesse sentido, interessante ver que Passos tem o que Rio precisa e Rio tem o que Passos precisava. O ex-primeiro ministro tem o partido na mão, mas encontra-se demasiado conectado a um período de sacrifícios. O ex-presidente da Câmara do Porto não tem o partido na mão, mas está isento de um passado ligado à troika.

Mas a grande vantagem de Rui Rio sobre Passos Coelho e sobre os hipotéticos candidatos a líderes – Morais Sarmento aconselha vigilância atenta a Marques Mendes e Santana Lopes – é que Rui Rio não se importaria de ser vice-primeiro-ministro de António Costa. É, por isso, importante que os militantes do PSD saibam que na ínfima hipótese de Rui Rio ir a congresso – coisa rara, nunca vista – também estariam a eleger um candidato a vice-primeiro-ministro.

Sobre Januzaj, o extremo prodígio do Manchester United; acabou por não comprovar o seu potencial, tardando em aparecer, e umas épocas mais tarde já poucos se lembram dele. Joga emprestado ao Sunderland.

Infelizmente, acho que os portugueses não terão a sorte dos adeptos do United.