Toda a gente gosta de ver um underdog a vencer um favorito. Sempre foi assim e sempre será. Apollo Creed era o favorito? Pois o povo torcia por Rocky Balboa. Real-Atlético na final da Champions? Força, Atlético – e tristeza pelo desfecho. Leicester na frente da Premier League? Vamos lá até ao fim! E Portugal, claro, que vergou o tubarão francês na sua própria casa. Se há, de resto, um ano em que o favoritismo no futebol tem sido desafiado a larga escala, esse é 2016.
E foi imbuído desse espírito que Gianni Infantino, o presidente da FIFA, admitiu ainda em outubro defender um Mundial com 48 seleções, “de forma a dar oportunidades a mais equipas”. O projeto foi discutido no Conselho da FIFA que teve lugar a 13 e 14 do mês passado e contou, por exemplo, com o apoio de um nome sonante como é o de Diego Armando Maradona, que até recorreu ao play-off de apuramento para o Mundial 2014 disputado entre a Suécia… e Portugal para suportar a sua teoria. “Defrontaram-se [Cristiano] Ronaldo e Ibrahimovic e é injunto para os adeptos não poderem ver um deles num Mundial”, atirou El Pibe.
Este projeto, diga-se, já conheceu uma “versão beta” com o Europeu deste verão, que de 16 equipas passou para 24, com apenas oito a ser eliminadas na fase de grupos. Houve inicialmente muitas vozes a opor-se ao alargamento, argumentando que o torneio iria perder qualidade, mas a verdade é que nações como o País de Gales, a Islândia ou a Irlanda do Norte acabaram por ser alguns dos grandes atrativos – e surpresas – da competição: os galeses, por exemplo, eliminaram a favorita Bélgica e chegaram às meias-finais, caindo aos pés de Portugal, enquanto os islandeses bateram Inglaterra, já depois de se terem apurado na fase de grupos à frente… de Portugal, com quem empataram 1-1 na primeira jornada. “Na minha opinião, a qualidade do Europeu não foi pior. Pelo contrário, houve seleções que não imaginávamos que poderiam ser tão fortes e com nível tão alto”, disse Gianni Infantino em outubro.
vergonhas mundiais
O pensamento de Infantino parecia totalmente correto… até decorrer esta jornada de qualificação para o Mundial 2018, onde Alemanha e Bélgica cilindraram as congéneres de San Marino e Estónia: 8-0 e 8-1, respetivamente. Resultados pesadíssimos, que espoletaram mesmo uma polémica envolvendo o avançado alemão Thomas Müller e o diretor de comunicação de San Marino, Alan Gasperoni (ver página 44).
É certo que San Marino ou Estónia, à partida, não entram sequer no lote das seleções que poderão beneficiar com o tal alargamento. Mas convém lembrar, todavia, que os estónios ainda em 2011 participaram no play-off de apuramento para o Europeu do ano seguinte – tal como Portugal, por exemplo…
A possibilidade de uma seleção deste (parco) poderio vir a conseguir um apuramento para um Mundial não é, portanto, de todo descabida. E é aqui que se levanta a questão: fará sentido um país com historial tão massacrado participar na competição que supostamente reúne a ‘nata’ do futebol mundial? À memória chegam, desde logo, variadíssimos exemplos de resultados absurdamente desnivelados em campeonatos do mundo. E não remontam apenas aos primórdios, como se pode ver na tabela que fecha a página seguinte. Se a maior goleada de sempre num Mundial aconteceu já há mais de 30 anos (Hungria a trucidar El Salvador por 10-1), já depois de 2000 ainda encontramos dois exemplos bem elucidativos do fosso que separava algumas das seleções presentes: em 2002, quando a Alemanha (que viria a sagrar-se vice-campeã mundial) venceu a Arábia Saudita, uma potência do futebol asiático, por concludentes 8-0; e em 2010, com Portugal a cilindrar outra equipa da Ásia, no caso a Coreia do Norte, por 7-0.
E neste top-10, curiosamente, nem entra (por uma unha negra), aquela que se tratou da maior humilhação do futebol mundial nas últimas largas décadas: os 7-1 que a Alemanha aplicou ao Brasil de Luiz Felipe Scolari em 2014, em pleno Mineirão, numa prova em que os brasileiros estavam plenamente convencidos de que iriam conquistar o ceptro.
É precisamente esse jogo que acaba por abonar a favor dos países mais pequenos. O Brasil, como já se disse, jogava em casa e era favorito à vitória final, mas nem assim conseguiu evitar ser cilindrado pelos impiedosos alemães. E não foi caso único: na história dos Mundiais, houve quatro ocasiões em que seleções que já se haviam sagrado campeãs mundiais em título – ou viriam a sê-lo no futuro – saíram vergadas a derrotas com pelo menos cinco golos de diferença. Em 1950, Espanha levou 6-1 do Brasil; quatro anos depois, a Hungria bateu a Alemanha por 8-3 (curiosamente, na final os alemães acabariam vencedores, derrotando a mesma Hungria por 3-2); em 1958, a Argentina perdeu com a Checoslováquia por 6-1; o mesmo resultado com que a Dinamarca, em 1986, brindou o Uruguai, primeiro campeão mundial da história.
Curiosamente, a Alemanha é cliente assídua destas lides. E em 2006, no apuramento para o Euro 2008, protagonizou um caso insólito outra vez contra San Marino: venceu por 13-0, na que é a maior goleada de sempre em eliminatórias para campeonatos da Europa. Quando o placard já apontava 12-0, os alemães beneficiaram de um penálti e o guardaredes Jens Lehmann correu todo o campo para ir bater a castigo máximo. Mas os jogadores de San Marino revoltaram-se, considerando tal uma humilhação. Acabaria por ser o médio Schneider a fechar as contas.
oceânia, ásia e portugal ao barulho
As maiores goleadas do cenário internacional, todavia, sempre tiveram lugar nas zonas de Ocêania e Ásia. E a Austrália era o perpetrador máximo: em 2001, nas eliminatórias para o Mundial do ano seguinte, os Socceroos entraram para o livro do Guinness duas vezes em dois dias. Primeiro, bateram o Tonga por 22-0, e depois conseguiram a vitória maior na história: 31-0 contra a Samoa Americana, com 13 golos de um só jogador, o avançado Archie Thompson. Em 2013, na Taça das Confederações, Espanha bateu o Taiti por 10-0, naquela que foi a maior goleada da história de uma competição organizada pela FIFA. E Fernando Torres ainda falhou um penálti…
Falta falar de Portugal, que ostenta orgulhosamente três vitórias por 8-0 como as maiores do seu historial: duas sobre o Liechtenstein e outra perante o Kuwait. Mais recentemente, mais dois 7-0, no Mundial 2010, sobre a Coreia do Norte, e já este ano contra a Estónia, na preparação para o Europeu de França.