A imigração na Europa e os filhos(as) de Hitler


O último referendo sobre refugiados na Hungria é bem o exemplo de que a “besta negra” racista subsiste na Europa do século XXI


“As pessoas precisam de responsabilidade. Resistem a assumi-la mas não conseguem passar sem ela” John Steinbeck

Se a União Europeia tivesse uma política comunitária para a imigração, asilo e refugiados, assente nos pilares quer da regulação das entradas, permanências e saídas de cidadãos na condição de imigrantes, de asilados, de refugiados e de outras figuras jurídicas afins, quer da integração de todas essas pessoas, não andaria, como tem andado, ao sabor do curto prazo, das conveniências e das necessidades derivadas, de acontecimentos, factos e tendências, que na maioria dos casos não são mais do que consequências, por tal política comunitária, ser inexistente. E nunca é demais recordar, que também neste domínio, a União Europeia tem andado refém dos governos dos países que têm políticas públicas nacionais, desconformes com os interesses dos seus povos e também penalizadoras para as suas economias.

Esta constatação é notória há muito tempo. E é consequência das deficiências do edifício jurídico comunitário, nas matérias atinentes à imigração, ao asilo e refugiados, que têm estado há muitos anos pulverizadas entre os Estados e as instituições europeias. Alimentando duas visões orientadoras destas matérias, balizadas entre o lado mais securitário e soberanista e o lado mais integracionista, humanista e cristão e de reconhecimento da importância económica e social das migrações.

Estes dois lados (o securitário e o integracionista e humanista) têm tido vitórias e derrotas, na construção do caminho para a existência (decorrente da realidade) de uma política comunitária, que imponha aos Estados e aos seus Governos, soluções jurídico políticas, de observância comunitária geral. Enquanto a União Europeia não solidificar um caminho positivo nessa construção jurídica e política, a Europa, os seus Estados e os seus povos perderão e muito. Aliás, estudos e diagnósticos diversos, já de há muitos anos a esta parte, são contundentes, quanto à importância das migrações, no futuro do projeto europeu. Economicamente, socialmente, culturalmente e politicamente. Muito do futuro da Europa e do seu projeto e também do futuro dos Estados e povos europeus, passa por olharem para o fenómeno migratório, não como um problema. Mas antes pelo contrário. Como uma oportunidade. As sociedades europeias contemporâneas inclusivas e plurais devem estar à altura das suas responsabilidades na forma como tratam as migrações. Mesmo agora que foi criada uma política europeia de fronteiras, a sua criação deveria ser também pedagógica. E no quadro da livre circulação de pessoas no âmbito do chamado espaço Schengen, não deveremos ceder a populismos, racismos, xenofobias e posições e discursos pós fascistas, como infelizmente temos vindo a assistir, em países como a França e como mais recentemente a Hungria. Que contrariaram em tudo a tradição europeia de respeito pelos direitos humanos, pelos direitos liberdades e garantias, pela herança humanista e cristã. E neste particular o último referendo na Hungria, é bem o exemplo de que a “besta negra” racista do século XXI, protagonizada por um filho de Hitler, existe. Mas existem outros filhos e filhas na Europa, na procura de um inimigo que não é real, enfrentado muitas vezes gratuitamente as instituições europeias. É uma vergonha os muros que têm sido construídos na Europa contemporânea. É uma vergonha que tais muros, que nos dividem e separam, não mereçam mais indignação nas opiniões públicas nacionais e europeias. É uma vergonha o que tem sido a política externa e de vizinhança da União Europeia dos últimos anos. Veja-se o que se passa nas fronteiras a leste e também a sul, na chamada bacia do Mediterrâneo oriental e ocidental.

Por responsabilidade da Europa e do Ocidente, com a sua política externa e de intervenção militar, assente na unipolaridade ocidental. A chamada crise dos refugiados é uma consequência direta disso mesmo. Até quando alguns defensores da chamada Europa fortaleza, tentam pôr em causa o espaço Schengen. Que significa economia, emprego e desenvolvimento económico e social. E os estudos estão feitos. Repor as fronteiras no chamado espaço territorial de Schengen (que tem 26 países, dos quais 22 da União Europeia e 4 outros países e ainda o Mónaco, São Marino e o Vaticano) custa no mínimo vinte mil milhões de euros. Os diletantes e pouco estudiosos defensores de acabar com Schengen é também isto que devem ter presente. Para além de deverem conhecer outros impactos não só económicos e sociais, para os cerca de 420 milhões de habitantes que vivem no território dos países Schengen, que tem uma área territorial de quase 5 milhões de quilómetros quadrados. Assim a Europa na política para a imigração, asilo e refugiados, deve combater todos os filhos e filhas de Hitler. Mesmo que exista uma geração saudosa do muro de Berlim. Um muro em que tudo parecia a preto e branco.