Tiago Pires. “Não vai haver mais nenhum Saca”

Tiago Pires. “Não vai haver mais nenhum Saca”


“Porque é que chamaram o Aritz?”. Quem lançou a pergunta foi a mãe de Tiago Pires, para um senhor – da organização, presume-se – depois do surfista basco ter arrecadado mais de 9 pontos num tubo ‘mágico’, na bateria onde Tiago Pires estava a competir. 


Entretanto lá surge uma camisola branca. Vem aí, lá vem ele. Saca precisa de uma boa pontuação. Ouve-se, mais uma vez, a mãe de Tiago. “Saca! Vamos!”, entre palmas e gritos. A praia está toda com Saca. É preciso ‘esconder-se’ na cortina de água e, mais importante que isso, é preciso sair dela. O que acontece pouco depois. Enquanto a praia aplaude, a mãe de Tiago já faz contas antes dos membros do júri atribuírem a pontuação. Percebe-se que foram 20 anos a acompanhar o filho nestas andanças. Falha por pouco, mas sabe que não é suficiente para conseguir assumir a liderança da bateria – entregue a Aritz Aranburu. A resposta de Aranburu surgiu pouco depois com o basco a arrancar, mais uma vez, um tubo que parecia impossível.

A mãe de Saca ri-se, afasta-se, e percebe que o tempo que resta para acabar a bateria já não é suficiente para o Tiago dar a volta. Aritz estava imbatível. Mas havia ainda João Guedes. E que ninguém se esqueça do surfista do Norte. Caso isso aconteça, não há problema. Ele resolve chamar a atenção da melhor maneira.

A esta altura falta pouco mais de um minuto para regressarem para o areal e Guedes apanha uma onda. É o tudo ou nada. Forma-se o tubo, João não está à vista e, pouco depois, lá o vemos. Uma onda suficiente para o homem do Porto ‘roubar’ o segundo lugar a Tiago Pires. 

Eliminado, numa altura em que se discutia a 3.ª ronda, Saca – campeão em 2012 – junta-se à assistência para continuar a ver o espetáculo do areal. Vamos ter com ele. Confrontado com o fervoroso apoio da mãe perguntamos-lhe se as ‘ânsias’ de vencer continuam a ser iguais. “Sim já não estou nos campeonatos e isso quer dizer alguma coisa, mas se é para competir é para continuar a ganhar. As ondas hoje estão difíceis e o Aritz esteve muito bem”, atira ainda antes de saber que o basco seria o grande vencedor ainda antes de o sol se pôr. 

Mostra-se tranquilo e garante que “aqui [num campeonatos destes] não tem pressão nenhuma é para uma pessoa se divertir e fazer boas ondas com amigos e convidados”, mas não nega, novamente a “vontade de ganhar”. Neste dia, Tiago não fica particularmente triste porque as condições não eram as melhores.

A conversa ganha outro rumo e Tiago Pires conta-nos que na carreira “só faltou ganhar uma prova do WCT, mas os objetivos ficaram cumpridos”. Depois do anúncio de Saca, em fevereiro, a ditar a retirada do circuito mundial, chegou a vez de Kelly Slater e de tantos outros grandes surfistas (Taj Burrow) se despedirem das ondas, uma decisão inevitável na perspetiva de Saca: “há sempre uma altura na vida em que é preciso passar o testemunho. Isso aconteceu com a geração acima da minha e, neste momento, é isso que está a acontecer. Acho que o Kelly sabe disso. Não se trata do nível de surf – que está lá – mas se calhar a vontade já não é a mesma”, resume. 

Afastado há oito meses da competição é tempo de aproveitar “uma parte social que abdicou durante 20 anos”. Tiago Pires chegou ao topo e por isso é considerado o melhor surfista português, mas não seria possível atingir esse patamar sem esforço e sacrifício. As rotinas de atleta ficaram para trás apesar de ser “difícil perder totalmente esse lado depois de tantos anos habituado a ter uma alimentação saudável.” Com uma abertura maior para “escorregadelas”, Saca já não precisa de sair do jantar de família ou de amigos mais cedo e já pode acompanhar com um copo, uma restrição até há muito pouco tempo. “Faz parte de uma pessoa estar a aproveitar aquilo que a vida também tem de bom que não entra na parte da competição e da necessidade de estar em forma”, garantiu. 

Com o documentário ‘Saca – O filme de Tiago Pires’ apresentado e a estreia agendada para este mês de novembro a “cereja no topo do bolo seria este filme ganhar prémios”. Com um percurso definido para ser projetado em festivais, o desejo pode ser alcançado. Orgulhoso considerou o filme “o primeiro grande projeto fora da competição”, mas deixa o alerta: para o ano há mais novidades, “mas ainda não posso revelar”.

Sem Saca a representar Portugal pelas ondas do planeta quem pode ser o jovem que ocupa esse lugar? O pai do surf português respondeu e deixou o segredo para a nova geração: trabalhar, muito.

“Saca não vai haver mais nenhum porque eu tive um percurso completamente diferente do que estes novos atletas vão ter. Eu não tinha nenhum exemplo à minha frente. Hoje em dia os miúdos têm um caminho. Mas ainda é preciso trabalhar muito e ganhar muitos campeonatos. O wild-card – em Peniche – não chega. É preciso provar no WQS [World Qualifiyng Series]. É preciso qualificarem-se para o WCT [World Championship Tour] e manterem-se lá, que é o mais difícil.”