Não será o momento de trabalhar em equipa e separar o trigo do joio?


Medicinas alternativas… ou complementares? Chegou a altura de deixar a falar sozinhos os corporativistas que defendem que “medicina só há uma, a ocidental e mais nenhuma”


A utilização de medicinas designadas por alternativas, em situações de doenças em crianças, tem vindo a aumentar. Segundo um estudo realizado na Austrália e no País de Gales, cerca de metade das crianças observadas em hospitais pediátricos estavam a utilizar terapêuticas complementares e alternativas. Um outro estudo, realizado no Reino Unido, mostrou que as crianças com doenças crónicas utilizavam três vezes mais tratamentos “alternativos” do que as crianças saudáveis. O que é curioso é que os pediatras dessas crianças não sabiam que os seus clientes estavam a utilizar outras formas de tratamento, por opção dos pais.

As medicinas designadas por alternativas não deveriam ser menosprezadas e inferiorizadas. O próprio nome, alternativo, é quanto a mim errado: trata-se de metodologias de tratamento “complementares” da chamada medicina ocidental. Também é errado designar esta por “científica”, dado que muitas das terapêuticas utilizadas nas “complementares” são cientificamente válidas (e muitas das que nós utilizamos ainda carecem de prova cabal…).

Para lá dos achados deste estudo, uma conclusão é óbvia: chegou a altura de deixar a falar sozinhos os corporativistas que defendem que “medicina só há uma, a ocidental e mais nenhuma”, e estudar, em conjunto e colaboração, as várias medidas terapêuticas que podem beneficiar, do ponto de vista biológico, psicológico e social, as crianças e suas famílias. É bom admitirmos que não sabemos nem dominamos tudo, e que a separação do trigo e do joio passa por reconhecer que há trigo e que há joio. Na medicina “alternativa”, mas também na medicina “ocidental”…

Alternativas? Complementares? A discussão é grande e a polémica tem feito correr rios de tinta, envolvendo os mais altos órgãos de soberania, as instituições profissionais e os leigos. Não adianta tapar o sol com a peneira, nem emitir juízos de valor sobre uma prática que, como todas, terá os seus pontos positivos e os seus aspetos “menos bons” – o que interessa é ver, numa abordagem científica, qual o interesse, a eficácia e a eficiência desta medicina, se o seu posicionamento é “alternativo” ou “complementar” relativamente à medicina “médica”, bem como saber um pouco mais dos quês e porquês, dos quem e dos quando. Até porque sob a designação “alternativa” se encontram coisas tão diversas como “comprar de vez em quando um chá de tília” ou “submeter-se a acupuntura regularmente”…

Não existem dúvidas de que a medicina alternativa está a tornar-se cada vez mais popular no hemisfério norte. Em Portugal, os dados de um estudo permitem saber que cerca de um em cada seis portugueses revela ter já utilizado estas terapêuticas nas duas semanas anteriores.

No entanto, apesar da crescente procura da “medicina alternativa” em Portugal, há um vazio legislativo sobre esta matéria, o que permite o exercício da “medicina” por pessoas não qualificadas para tal. 

As chamadas “medicinas alternativas” passam por vários campos: a fitoterapia (utilização de plantas medicinais), a homeopatia (uso de substâncias vegetais, animais e minerais que estimulam a criança e provocam sintomas mas controlados, evitando a doença natural – um pouco como as vacinas), a acupuntura, a quiroprática (manipulação, sobretudo ao nível da coluna, e procura de posturas corretas) e a osteopatia.

Um estudo realizado na Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa revelou que, ao contrário do que se poderia pensar, a maior parte das pessoas que recorrem à medicina alternativa não estão insatisfeitas com a medicina convencional – de facto, 95% dos inquiridos que utilizavam a medicina alternativa diziam-se satisfeitos com os cuidados médicos, 88% consideravam a relação com o médico boa e 92% estavam satisfeitos com os resultados dos tratamentos médicos. Muitas das pessoas que recorrem à medicina alternativa, quando precisam de cuidados mais especializados, consultam também os médicos especialistas convencionais.

Talvez a medicina convencional não esteja “em crise” nem essa seja a razão do aumento da procura da medicina alternativa. Assim, o recurso a estas práticas não seria encarado pelos utentes como “alternativo” ou substituto da medicina convencional, mas sim como um complemento desta. As crianças, designadamente, virão certamente a beneficiar desta abordagem global e holística, dentro das várias “medicinas complementares”.

Há vários tipos de medicina ou terapêuticas complementares: homeopatia, reflexologia, acupuntura, aromaterapia, osteopatia e reiki. Todas têm em comum restaurar um equilíbrio corporal, emocional e espiritual, ou seja, a chamada “abordagem holística”.

A fundamentação destas práticas está na ideia de que a doença e o mal-estar são causados por um desequilíbrio num destes três níveis do ser. Até um acidente, que é uma doença eminentemente física, será visto como causando uma perturbação do bem-estar global a todos os níveis – o stresse pós-traumático é um bom exemplo disso. Por outro lado, algo que cause mal-estar psicoemocional, como uma separação ou a morte de alguém querido, pode desencadear doença, designadamente infecciosa.

A homeopatia e o reiki usam apenas a energia. A reflexologia e a acupuntura ou acupressão estimulam certas áreas do corpo com o objetivo de remover bloqueios energéticos que causariam a doença, por excesso ou por défice de energia nos órgãos doentes.

Claro que nem tudo são rosas nem chazinhos de camomila. É necessário estar alerta para a existência de muitos charlatães nesta área, e para que o arrastar de alguns problemas pode trazer riscos para a saúde, não apenas pela acumulação de medicamentos dos dois tipos (com efeitos colaterais cumulativos), mas porque há diagnósticos que podem ser protelados, com prejuízo para a criança

A abertura de espírito e a análise científica das vantagens e desvantagens, eficácia e eficiência das várias práticas médicas poderão separar o trigo do joio e contribuir para o objetivo final de qualquer prática médica: ganhos em saúde e em bem-estar para os cidadãos, sobretudo quando estão doentes.

Pediatra
Escreve à terça-feira 


Não será o momento de trabalhar em equipa e separar o trigo do joio?


Medicinas alternativas... ou complementares? Chegou a altura de deixar a falar sozinhos os corporativistas que defendem que “medicina só há uma, a ocidental e mais nenhuma”


A utilização de medicinas designadas por alternativas, em situações de doenças em crianças, tem vindo a aumentar. Segundo um estudo realizado na Austrália e no País de Gales, cerca de metade das crianças observadas em hospitais pediátricos estavam a utilizar terapêuticas complementares e alternativas. Um outro estudo, realizado no Reino Unido, mostrou que as crianças com doenças crónicas utilizavam três vezes mais tratamentos “alternativos” do que as crianças saudáveis. O que é curioso é que os pediatras dessas crianças não sabiam que os seus clientes estavam a utilizar outras formas de tratamento, por opção dos pais.

As medicinas designadas por alternativas não deveriam ser menosprezadas e inferiorizadas. O próprio nome, alternativo, é quanto a mim errado: trata-se de metodologias de tratamento “complementares” da chamada medicina ocidental. Também é errado designar esta por “científica”, dado que muitas das terapêuticas utilizadas nas “complementares” são cientificamente válidas (e muitas das que nós utilizamos ainda carecem de prova cabal…).

Para lá dos achados deste estudo, uma conclusão é óbvia: chegou a altura de deixar a falar sozinhos os corporativistas que defendem que “medicina só há uma, a ocidental e mais nenhuma”, e estudar, em conjunto e colaboração, as várias medidas terapêuticas que podem beneficiar, do ponto de vista biológico, psicológico e social, as crianças e suas famílias. É bom admitirmos que não sabemos nem dominamos tudo, e que a separação do trigo e do joio passa por reconhecer que há trigo e que há joio. Na medicina “alternativa”, mas também na medicina “ocidental”…

Alternativas? Complementares? A discussão é grande e a polémica tem feito correr rios de tinta, envolvendo os mais altos órgãos de soberania, as instituições profissionais e os leigos. Não adianta tapar o sol com a peneira, nem emitir juízos de valor sobre uma prática que, como todas, terá os seus pontos positivos e os seus aspetos “menos bons” – o que interessa é ver, numa abordagem científica, qual o interesse, a eficácia e a eficiência desta medicina, se o seu posicionamento é “alternativo” ou “complementar” relativamente à medicina “médica”, bem como saber um pouco mais dos quês e porquês, dos quem e dos quando. Até porque sob a designação “alternativa” se encontram coisas tão diversas como “comprar de vez em quando um chá de tília” ou “submeter-se a acupuntura regularmente”…

Não existem dúvidas de que a medicina alternativa está a tornar-se cada vez mais popular no hemisfério norte. Em Portugal, os dados de um estudo permitem saber que cerca de um em cada seis portugueses revela ter já utilizado estas terapêuticas nas duas semanas anteriores.

No entanto, apesar da crescente procura da “medicina alternativa” em Portugal, há um vazio legislativo sobre esta matéria, o que permite o exercício da “medicina” por pessoas não qualificadas para tal. 

As chamadas “medicinas alternativas” passam por vários campos: a fitoterapia (utilização de plantas medicinais), a homeopatia (uso de substâncias vegetais, animais e minerais que estimulam a criança e provocam sintomas mas controlados, evitando a doença natural – um pouco como as vacinas), a acupuntura, a quiroprática (manipulação, sobretudo ao nível da coluna, e procura de posturas corretas) e a osteopatia.

Um estudo realizado na Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa revelou que, ao contrário do que se poderia pensar, a maior parte das pessoas que recorrem à medicina alternativa não estão insatisfeitas com a medicina convencional – de facto, 95% dos inquiridos que utilizavam a medicina alternativa diziam-se satisfeitos com os cuidados médicos, 88% consideravam a relação com o médico boa e 92% estavam satisfeitos com os resultados dos tratamentos médicos. Muitas das pessoas que recorrem à medicina alternativa, quando precisam de cuidados mais especializados, consultam também os médicos especialistas convencionais.

Talvez a medicina convencional não esteja “em crise” nem essa seja a razão do aumento da procura da medicina alternativa. Assim, o recurso a estas práticas não seria encarado pelos utentes como “alternativo” ou substituto da medicina convencional, mas sim como um complemento desta. As crianças, designadamente, virão certamente a beneficiar desta abordagem global e holística, dentro das várias “medicinas complementares”.

Há vários tipos de medicina ou terapêuticas complementares: homeopatia, reflexologia, acupuntura, aromaterapia, osteopatia e reiki. Todas têm em comum restaurar um equilíbrio corporal, emocional e espiritual, ou seja, a chamada “abordagem holística”.

A fundamentação destas práticas está na ideia de que a doença e o mal-estar são causados por um desequilíbrio num destes três níveis do ser. Até um acidente, que é uma doença eminentemente física, será visto como causando uma perturbação do bem-estar global a todos os níveis – o stresse pós-traumático é um bom exemplo disso. Por outro lado, algo que cause mal-estar psicoemocional, como uma separação ou a morte de alguém querido, pode desencadear doença, designadamente infecciosa.

A homeopatia e o reiki usam apenas a energia. A reflexologia e a acupuntura ou acupressão estimulam certas áreas do corpo com o objetivo de remover bloqueios energéticos que causariam a doença, por excesso ou por défice de energia nos órgãos doentes.

Claro que nem tudo são rosas nem chazinhos de camomila. É necessário estar alerta para a existência de muitos charlatães nesta área, e para que o arrastar de alguns problemas pode trazer riscos para a saúde, não apenas pela acumulação de medicamentos dos dois tipos (com efeitos colaterais cumulativos), mas porque há diagnósticos que podem ser protelados, com prejuízo para a criança

A abertura de espírito e a análise científica das vantagens e desvantagens, eficácia e eficiência das várias práticas médicas poderão separar o trigo do joio e contribuir para o objetivo final de qualquer prática médica: ganhos em saúde e em bem-estar para os cidadãos, sobretudo quando estão doentes.

Pediatra
Escreve à terça-feira