A imunidade diplomática é instrumento de direito internacional público que se rege segundo a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e que se caracteriza pela concessão de um certo respeito e pela garantia de um relacionamento pacífico entre governantes e representantes dos diversos Estados.
Tal como acontece com a imunidade parlamentar, ela não existe para proteção pessoal exclusiva do seu titular, mas sim para garantir uma certa circulação e ação pacífica e até proteção de ameaças veladas, ou mesmo intencionais, a que o seu detentor, enquanto representante de um qualquer Estado, possa estar sujeito.
Contudo, não é fácil a absorção deste entendimento, sendo várias vezes confundível, sobretudo numa lógica de senso comum, com uma espécie de salvo-conduto do seu titular que lhe permite um comportamento discricionário e impune perante a lei. Mas na verdade não é assim, nem faria sentido que fosse essa a interpretação do espírito da própria convenção ou de qualquer outro instituto jurídico interno que regule imunidades ou privilégios dos mais altos dignitários das nações. A razão atendível reside sempre na proteção de um determinado Estado, ou instituição, representado pelo seu titular, e nas relações de ordem política, social ou comercial que ele estabelece.
Ora, como tal, é atribuído ao diplomata, no país onde desempenha o seu cargo oficial, um benefício que lhe permite, pelas razões que já vimos, não estar submetido à jurisdição civil e criminal dos tribunais locais. Esta imunidade justifica-se pela representação de uma soberania diferente daquela que leva a cabo o diplomático em questão.
Mas com limites, como é evidente. No caso de Ponte de Sor, e das agressões a Rúben Cavaco, os dois jovens iraquianos gozam de imunidade diplomática por extensão, pelo que apenas por deliberação expressa do Estado acreditante, o Iraque, ela pode ser levantada para efeitos de tutela jurisdicional.
Para que tal aconteça, é necessário que o Estado português, encontrando facto atendível ou de especial relevância, solicite o seu levantamento. Foi o que fez, e bem.
A resposta iraquiana, de resto tardia, foi uma meia resposta. Diria mesmo que bastante insatisfatória e conspurcadora do espírito que tutela a imunidade. Dizer que os jovens iraquianos podem ser ouvidos pelo Ministério Público, mas não há ainda motivo para o levantamento da imunidade de que gozam por extensão, é não só abusar dos privilégios diplomáticos como propositadamente interferir numa investigação de uma ação criminosa levada a cabo deliberadamente pelos protegidos cidadãos iraquianos.
De nada servirá ao Ministério Público, efetuadas todas as diligências processuais e recolhidos os meios de prova necessários, ouvir estes rapazes sem ser na qualidade de arguidos. Caso contrário, trata-se de um nado-morto processual. O MP só terá, deste modo, uma opção possível que é a de insistir junto do governo português pelo pedido de levantamento da imunidade. Pois se isso não acontecer, é a autoridade, a nossa autoridade enquanto Estado, que é posta em causa.
O governo está bem ciente disso. Das consequências políticas que daí advêm e, mais importante, do sentimento da comunidade sobre o caso e do que um desfecho impune poderá causar. Por isso, e bem, já mostrou disponibilidade para “levar ao limite” a sua intervenção.
Este é, contudo, um caso de exceção. O comportamento iraquiano não é o padrão comum da diplomacia para casos semelhantes em que se exija uma investigação judicial aos seus representantes. Mas é, por certo, uma enorme machadada na diplomacia iraquiana, que continua a optar pela proteção de dois cidadãos seus em detrimento das regras de um Estado de direito, o que, no limite, se traduzirá na impunidade de um crime.
Deputado. Escreve à segunda-feira