A importância que o país dá aos Orçamentos do Estado da coligação das esquerdas é claramente exagerada. Confesso que nem percebo porque é que nos damos ao trabalho de tanto debate sobre a política orçamental de António Costa e Mário Centeno. Com a exceção dos impostos, que com este governo sobem sempre, tudo o resto não é para levar a sério. Já vimos a história em 2016: o governo jurava que o défice vinha para 2,2%, mas afinal deve acabar nos 2,4%; o crescimento era de 1,8%, mas nem deve chegar ao mísero 1%; as exportações cresceriam à bruta mas, no fim, acabamos o ano pior do que começámos. Enfim, as previsões inscritas neste Orçamento têm tanta credibilidade como a palavra dos “ourives de rua” que nos prometem relógios de luxo por meia dúzia de euros. Diria mais: os OE deste governo transformaram-se num leilão decadente em que todos fazem prova de vida. O PCP cerra dentes e pede dez para os seus; o Bloco bate no peito e pede 15 para todos; no fim, o PS dá cinco, mas só para alguns. E para surpresa geral, não há ninguém descontente na coligação das esquerdas. “Orçamento, logo existo” é literalmente a filosofia de vida do governo – pese embora a “infoganda” chame “capacidade negocial” a este simplório fazer pela vida do primeiro-ministro e dos partidos que sustentam o governo.
Nem vale a pena perder mais tempo com as previsões do governo. Elas valem o que valem: nada. Ou melhor, valem, pelo menos, para tirar uma conclusão: se elas nos dizem que só no final de 2017 chegaremos ao crescimento de 1,5% de 2015, quando este primeiro-ministro derrubou o anterior, então essa é a confissão de que a coligação das esquerdas fez o país perder dois anos de prosperidade. Longe das promessas de crescimento de 3%. Mas adiante.
O que valerá certamente a pena avaliar neste OE é a sua insuperável capacidade de zigue e de zague. É o OE do caminho que Costa nos vendeu. O problema é que este caminho não nos leva a lado algum.
Querem ver? A política oficial do PS, vertida no seu cenário macroeconómico dos 12 sábios, assentava no postulado do incentivo ao consumo como via para o crescimento. Era assim que Costa prometia prosperidade de 2,4% para 2016 e de 3% para 2017, catalogando como apóstatas todos os que não partilhassem deste otimismo teológico. Mas a prática oficial do PS é bem diferente: tudo o que mexe do lado do consumo leva imposto. Inocentes os que acham que isto é mera incoerência. Não é. É a admissão de que o programa do PS fracassou. E das três uma: ou fracassou por incompetência política na sua aplicação, ou porque não resistiu ao choque com a realidade, ou porque tudo não passou de engodo eleitoral. Eu bem sei, o PS e os partidos amestrados da coligação de governo hão de dizer que é da conjuntura internacional. Basta que consigamos ver para lá de Badajoz para perceber a dimensão da mentira. Espanha cresce três vezes mais do que nós. E a Irlanda, quatro. A nossa conjuntura é pior do que a deles? Não é. Continuamos a ter petróleo baixo, um euro competitivo e juros historicamente baixos.
É só incompetência, portanto.
Mas não é só. O verbo do PS é o da reversão da austeridade – isto é o zigue. Mas os atos do PS consagram a manutenção estrutural do maior nível de austeridade de que há memória – o zague. Ah, ironia das ironias: Costa quer ir para além da troika e afirmar a austeridade para a posteridade.
Costa promete acabar com a sobretaxa do IRS em dezembro de 2016 (zigue) mas, no OE, os portugueses percebem que ainda vão pagar sobretaxa até dezembro de 2017 (zague). Costa jura que vai aumentar as pensões (zigue) mas só depois de dar oito meses de avanço à coleta de impostos (zague) – ou seja, os pensionistas começam a pagar mais impostos logo em janeiro e só têm mais uns euros na conta lá para agosto. Lá pelo verão, já os ligeiros aumentos estarão pagos e repagos. Costa-zigue incentiva os portugueses e os investidores estrangeiros a comprar casa, a dinamizar os mercados de arrendamento e de renovação urbana; Costa-zague atira-
-lhes para cima uma sobretaxa de IMI que, nos limites impostos, até favorece os maiores proprietários. Costa-zigue incentiva o uso de transportes públicos e, por isso, agrava o imposto automóvel; Costa-zague sobe o ISP carregando nos passes sociais. E lá vai a coligação das esquerdas, feliz e contente, esmagando o Estado social, engordando a dívida pública e matando a economia.
Concluindo, este é um Orçamento que só pensa na sobrevivência da coligação, marimbando-se para a sustentabilidade do país. É um Orçamento que pesca o contribuinte, grande ou pequeno, de arrastão. Quem esfrega as mãos a pensar que tem um aumentozinho que espere sentado. O governo irá atrás do contribuinte por todas as formas. Se não for agora, é daqui a uns meses, incentivando as pessoas a comportar-se de modo a que a seguir levem com um novo imposto.
Centeno, um conhecido liberal, teve o descaramento de dizer que o OE é de esquerda. Se fazer um OE de esquerda é congelar as pensões sociais e rurais (de 200 euros) e repor os cortes nas reformas milionárias, se fazer um OE de esquerda é acrescentar austeridade estrutural à austeridade temporária, estamos conversados.
Costa não lidera bem um governo.
É mais uma coisa que nos desgoverna. Este OE é bem exemplo disso. Começou por ser o Orçamento com a marca do “imposto Mortágua”. O seu espírito anticapitalista prolongou-se com o ataque aos refrigerantes, com os impostos sobre a imperialista Coca-Cola e afins. No fim do dia, o OE é mais Red Bull do que Coca–Cola: promete dar-nos asas mas, quando dermos por ela, acabamos estatelados no chão. É que nem as vacas voam, como alguém um dia nos disse.
Escreve à quarta-feira