Não sei o que hei de beber. Não sei a fórmula nem a forma e fico muito irritada quando me perguntam por elas. Mais ainda quando me dizem em argumentos carregados de expetativas o que tenho de beber. Quando me pedem que o faça porque é o que esperam de mim. Não sei mesmo o que hei de beber, mas quero acreditar que as escolhas que tenho feito tenham sido sempre as mais limpas, as mais frescas, as mais puras, as mais verdadeiras. O problema está mesmo aqui. A minha verdade nunca será a verdade dos outros e os outros farão sempre com que duvide da minha verdade, porque a acharão sempre, aos seus olhos, incorreta. Mas não faz mal. Vou continuar a dizer-lhes que não sei o que hei de beber.
Não sei o que hei de beber para sempre porque talvez essa seja uma busca constante, mas sei uma coisa: sei qual é a fonte. A fonte serei sempre eu. Partirá de mim, da minha essência, do meu âmago a escolha do que hei de beber, do que hei de fazer, do que hei de ser, do que hei de escolher. Mesmo que me inspire em outras fontes, mesmo que cresça com outras fontes, hei de beber a partir de mim. Custe o que custar.
Antes de passar por esta fonte pintada na parede, em Alfama, que agora me faz viajar sobre a dor que os outros nos causam, por depositarem em nós a violenta expetativa, cruzei-me com um grupo de jovens estudantes que saíam do ISPA. Olhei para eles e reparei em dois sentimentos tão distintos que me assolaram. Saudade da minha vida universitária e um enorme alívio por já não estar a viver essa fase. Digo-vos que fui mesmo muito, muito feliz durante o ensino superior. Aprendi tanto sobre o mundo, sobre mim mesma, sobre os outros, vivi amizades intensas, ri-me todos os dias, experienciei cada dia com a certeza de que aqueles anos me marcariam para sempre. Mas hoje, quando passei pelos jovens, senti um alívio tão grande por já não ter de pertencer. Não ter de fazer, não ter de saber, não ter de ser. Que alívio não ter de sair à noite porque “é quinta-feira e toda a gente sai à noite”, que alívio não ter de saber sobre o assunto do dia “porque toda a gente está a falar sobre o assunto do dia”, que alívio não ter de dizer “o que vou fazer amanhã” porque, na verdade, nunca soube. Quando estava na universidade esforcei-me muito. Na altura, não sabia que o fazia – e essa inocência é a magia do crescimento –, mas agora entendo que tentei demasiado. Quis tanto viver com a máxima euforia e felicidade possível, porque todos me disseram que eram os melhores anos da minha vida, quis tanto descobrir os meus talentos, porque estava ali para isso, quis tanto traçar um plano futuro, quis tanto orgulhar os meus pais, quis tanto sair dali “e ser qualquer coisa”. Esforcei-me muito e agora estou aliviada por já não o ter de fazer.
Não sei que água hei de beber. E finalmente, aos 26 anos, assumo que “não sei” é a minha melhor e mais verdadeira resposta.
Passei à frente a fase do “eu sei tudo!” – refiro-me, claro, à adolescência, que nos faz acreditar que somos seres imortais e sabedores de todas as verdades – e também já ultrapassei, graças aos santinhos, a fase esgotante do “não sei nada!”, pertencente aos nossos primeiros anos como adultos, em que somos tão inseguros que, só por respirarmos, já sentimos que estamos a falhar.
Neste momento, vivo com verdadeira entrega o “não sei!”. E “não sei” é muito diferente do “não sei nada”. Este “não sei” não é reflexo de falta de autoestima nem é uma resposta nervosa do medo. Este “não sei” é franco e carrega nele um “sim”, mesmo que mudo, porque é assertivo. É um “não sei” que corresponde a uma resposta mais longa mas que não me apetece estar sempre a dar: “Estou a conhecer-me e não quero dar respostas que não tenho.” É um “não sei” que transmite respeito por mim mesma. Porque “não sei” é o que estou a viver e não penso mudar isso só para responder a expetativas. Neste momento, o meu “não sei” é o meu “sim” mais perfeito e a resposta mais fiel que posso dar àqueles que amo. O “não sei” é a minha forma educada de lhes dizer “não tentem escrever o meu destino por mim”.
Não sei que água hei de beber mas não faz mal, porque está a ser tão profundo e verdadeiro procurar essa resposta. Não sei em que mais posso falhar e no que mais posso vencer, não sei o que poderia ter feito melhor – hei de saber depois –, não sei se perdi oportunidades ou não, porque nunca poderei adivinhar o que poderia ter acontecido. “Não sei” é tudo o que sei sobre mim.
Não sei.
Não sei.
Não sei.
Blogger
Escreve à quinta-feira