Há muito tempo que uma causa não unia Presidente da República, Governo e todos os partidos portugueses. António Guterres conseguiu essa proeza com a candidatura a secretário-geral da ONU.
«Para descrever o que sinto neste momento bastam duas palavras: humildade e gratidão», disse o ex-primeiro-ministro, nesta quinta-feira, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, depois de o Conselho de Segurança ter aclamado por unanimidade a sua candidatura. O que parecia impossível – o perfil ganhador era o de uma mulher e da Europa de Leste – tornou-se uma realidade no dia 5 de outubro.
Jorge Coelho, amigo e número dois de Guterres quando era primeiro-ministro – considera o que o fator decisivo «foi o próprio porque o seu percurso de vida internacional era manifestamente superior aos outros candidatos».
Coelho destaca ainda, em declarações ao SOL, que o novo modelo de escolha do secretário-geral da ONU «permitiu que as características de António Guterres ficassem à vista de todos aqueles que tinham de tomar uma posição».
Ao ex-ministro socialista não escapou, mais do que o consenso nacional, o «ambiente que se criou no país. Foi de total empenhamento. Não vi outro candidato com este empenhamento das instituições do seu país».
«Um português excecional», diz Marcelo
O Presidente da República foi uma das figuras que se empenhou na corrida da candidatura do português às Nações Unidas. Após a aprovação de António Guterres, o chefe de Estado destacou o brilho, a inteligência e a capacidade de servir do ex-primeiro-ministro. Marcelo considera que Portugal deve ter orgulho «por ver um português excecional chegar onde nunca chegou qualquer cidadão da nossa pátria».
«Enorme orgulho» foi também a expressão utilizada pelo primeiro-ministro. Para António Costa vamos ter «a pessoa certa no lugar certo».
Não menos elogiosas foram as palavras do presidente do PSD, Passos Coelho. «É histórico para Portugal, é a primeira vez que um português terá este lugar tão relevante. Irá encher Portugal de orgulho». Também Assunção Cristas garantiu estar certa que Guterres «fará a diferença».
À esquerda, Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, disse tratar-se de «uma boa notícia, desde logo, para as Nações Unidas, que conseguiram mostrar que são imunes a manobras mais ou menos estranhas». O PCP preferiu destacar a necessidade de o novo secretário-geral da ONU conseguir fazer vingar «o direito internacional e a carta das Nações Unidas, com seus princípios e valores».
Há mais de um ano a pensar na candidatura
A candidatura de António Guterres foi apresentada formalmente no final de fevereiro, mas já há algum tempo que o ex-primeiro-ministro andava no terreno a testar os apoios que poderia reunir. Ao mesmo tempo o Governo português encetou vários contactos para avaliar as possibilidades de sucesso desta candidatura. As contrariedades eram evidentes: o perfil definido apontava para um mulher e da Europa de Leste. O próprio António Guterres admitiu, no início da corrida, existirem «muitas dificuldades». Mas a ambição vinha detrás. «Ainda era Alto Comissariado da ONU para os Refugiados quando começou a ponderar essa hipótese», diz ao SOL uma fonte que acompanhou o processo.
A primeira boa notícia para Guterres surgiu no dia 21 de julho. Venceu a primeira votação informal com 12 votos de encorajamento e três «sem opinião». Não teve nenhum voto contra. O sucesso da candidatura começava a desenhar-se e consolidou-se nas quatro votações seguintes, nos meses de agosto e setembro, em que o socialista português ficou sempre à frente.
Todo este processo decorreu com a sombra de uma candidatura de última hora, que ameaçaria as hipóteses de Guterres. Kristalina Georgieva entrou na corrida no final de setembro, depois de o governo búlgara ter deixado de patrocinar Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO.
Georgieva entrou na sexta votação, nesta quarta-feira. Ficou, porém, longe das expectativas criadas à sua volta. Teve oito votos de desencorajamento e apenas cinco votos a favor. Guterres voltou a vencer com 13 votos a favor e apenas dois sem opinião. Não teve nenhum voto de desencorajamento. «Hoje, depois da nossa sexta votação, temos um favorito claro e o seu nome é António Guterres», disse Vitaly Churkin, embaixador russo nas Nações Unidas.
A aclamação por unanimidade do Conselho de Segurança chegou no dia seguinte. Na tarde de quinta-feira, Vitaly Churkin anunciou, em conferência de imprensa, que «o Conselho de Segurança considerou recomendar à Assembleia-Geral que o sr. António Guterres fosse apontado para o cargo de de secretário-geral». O nome do português deverá agora ser aprovado pela Assembleia Geral, que elege o sucessor de Ban Ki-moon, no próximo dia 13 – o nome escolhido é por norma aquele que é sugerido. Guterres começa a trabalhar nas novas funções no dia 1 de janeiro.