Nos gloriosos dias da revolução bolivariana, Hugo Chávez ameaçou nacionalizar um banco (a filial do BBVA na Venezuela) em direto na televisão. Entre outros delírios, Chávez gostava de se passear por Caracas a admirar prédios de habitação e sedes de empresas das zonas burguesas da capital. Com a claque revolucionária e a televisão atrás, Chávez apontava para um prédio e dizia “exproprie-se”. Virava–se para outro e atirava “nacionalize-se”. A cada ordem presidencial, a claque delirava. A forma como Mariana Mortágua lançou a sobretaxa de IMI e, especialmente, o modo como António Costa a ratificou – “Por que razão quem trabalha tem de pagar mais para os encargos comuns do país que aqueles que têm outras fontes de rendimento?” – são, em demagogia e ostensivo ataque às liberdades, chavismo à portuguesa.
A sobretaxa de IMI, a materialização da inveja em imposto, é uma montanha colocada no caminho do governo PS. E quanto a mim, não há volta a dar: nem o governo será o mesmo depois de a ministra Mortágua, perdão, Mariana, ter exortado o PS a “perder a vergonha de ir buscar dinheiro a quem está a acumular”, nem o país voltará a olhar para o governo da mesma forma.
O estrago é irremediável. Porque neste momento há duas coisas que ficaram bem claras para todos os portugueses, abrangidos ou não pela sobretaxa de IMI: primeiro, a sobrevivência da coligação das esquerdas depende de uma política de saque fiscal; segundo, o PS está perigosamente a largar âncora do socialismo democrático.
Quanto ao governo, já se percebeu que “os ricos” são o declarado inimigo desta política de virar de página. É gente que tem de ser sacrificada no altar dos revolucionários bloquistas e comunistas, com a vergonhosa conivência socialista. Mas quem são os “ricos”? A narrativa da troika esquerdizante é óbvia: são todos os portugueses que pelo trabalho, mérito ou herança cometeram o sacrilégio de ter algum património. Como também já se tinha visto na mexida dos coeficientes do IMI, ricos são os portugueses que moram em casas com luz solar e vista para algum lado. É à caça dessas centenas de milhares de portugueses que o governo anda. E quando esses portugueses já não forem suficientemente ricos, ou porque o Estado os delapidou ou porque eles decidiram deixar de ser sérios e fazer como os outros que colocam os seus bens em geografias pouco recomendáveis, acreditem então que o governo socialista correrá atrás daqueles que serão os “novos-ricos”. Os que têm uma casa e um carro próprio? Os que têm os filhos a estudar em colégios privados? Os que têm poupanças no banco?
Qualquer um com o mínimo de recursos será explorado por este delírio coletivista. Prevejo até que não estaremos longe do dia em que os partidos de esquerda passem a ser avaliadores das finanças: assim, se um cidadão tem muito património, expropria-se.
Quanto ao Partido Socialista, e de uma perspetiva social-democrata, é penoso assistir à degeneração de uma das traves mestras da democracia portuguesa. Quando uma sala inteira de militantes socialistas perde a vergonha e aplaude o discurso de saque de Mortágua, está a substituir Willy Brandt por Trotsky. Quando Costa quer que “quem tem outras fontes de rendimento” pague mais do que “quem trabalha” (como se uns e outros não fossem os mesmos), está a consolidar um regime de escravatura fiscal em Portugal.
Mário Centeno sai muito fragilizado desta embrulhada. Como se já não bastasse levar puxões de orelhas de Costa no espaço público, ser desautorizado pelos colegas de executivo ou ter falhado quase todas as previsões macroeconómicas, eis que é ultrapassado por uma jovem deputada, aprendiz de revolucionária, que fala como se pusesse e dispusesse do Orçamento. A conjuntura que Portugal atravessa não é compatível com uma miniatura de ministro das Finanças. Conseguirá Costa segurar Centeno depois de aprovado o OE? Aceitam-se apostas.
Nota final: Mais uma vez, sobre um assunto decisivo para as autarquias não se ouviu uma palavra a Manuel Machado. Quando as câmaras estão a ser violentamente atacadas na sua autonomia fiscal, quando o governo rebenta com o modelo de desenvolvimento de muitas cidades – nomeadamente nos setores do turismo residencial, afastando investidores, e da requalificação urbana –, quando deveríamos estar a pressionar o Estado e os partidos para pagarem IMI sobre os seus patrimónios em vez de sobrecarregarmos as famílias, o que oferece Machado? Um inadmissível silêncio. Por este caminho de irrelevância, e com a ajuda do governo, Manuel Machado está a matar a Associação Nacional de Municípios.
Escreve à quarta-feirata-feira