Marcelo avaliado pelos rivais

Marcelo avaliado pelos rivais


Marisa Matias diz que não houve ‘grandes erros’ desde março. Henrique Neto e Cândido Ferreira mostram-se críticos em relação ao estilo de Marcelo. Tino de Rans está orgulhoso do Presidente e Jorge Sequeira diz que Marcelo é melhor inquilino para Belém do que ele próprio seria.


Já passaram seis meses desde a tomada de posse de Marcelo Rebelo de Sousa. Foram 10 os candidatos a Belém nas eleições presidenciais mais concorridas de sempre – Marcelo Rebelo de Sousa venceu com 52% dos votos. Seis meses depois, seis dos seus concorrentes aceitam avaliar-lhe o mandato. Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém preferem não comentar, Paulo Morais também não esteve disponível. 

«Ainda não houve grandes erros cometidos por Marcelo Rebelo de Sousa», afirma Marisa Matias, realçando que «é fácil fazer a diferença» em relação ao anterior Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.

A candidata do Bloco de Esquerda considera que o mandato tem sido marcado por «coisas muito positivas», nomeadamente o contacto com a população e a ‘Feira do Livro’, que se realizou no passado fim-de-semana nos jardins do Palácio de Belém, mas condena o silêncio de Marcelo em alguns dossiês da política externa. «Não se tem ouvido grande coisa sobre aquilo que tem a ver com relações internacionais», aponta.

«Pisar a linha» 

A eurodeputada do BE destaca a falta de intervenção do Presidente em matérias relativas a Angola e ao Brasil e revela que esperava uma «posição mais vigorosa na defesa do país» junto das instituições europeias. «Marcelo Rebelo de Sousa manifestou-se contra as sanções, mas há muitas outras questões, como a chantagem inaceitável do BCE e de outras instituições europeias relativamente à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos. Não ouvimos nem uma palavra da parte do Presidente e seria de esperar algo na linha do que fez com as sanções», defende.

Marisa Matias constata que Marcelo tem pautado a sua ação por uma intervenção constante e espera que isso não venha a resvalar num extravar das suas competências. «O Presidente da República tem ocupado muitos espaços – mais do aqueles que têm que ver com a sua função e as suas responsabilidades. Espero que nunca o ocupar desses espaços se transforme, em algum momento, num conflito institucional ou de governação», explica.

Apesar deste «pisar a linha», a antiga candidata presidencial diz não querer confundir características pessoais do chefe de Estado com o exercício das funções presidenciais. Ou seja, a crítica não é ao estilo, mas um alerta ao conteúdo de um Presidente que em seis meses já apresentou dois vetos políticos.

Também Edgar Silva mostra-se crítico quanto à posição de Marcelo Rebelo de Sousa na defesa do interesse nacional face a pressões e «chantagens» sobre o país. 

«O atual Presidente da Repúvlica deveria e poderia assumir uma outra intervenção na defesa da soberania de Portugal face a interesses estrangeiros», defende o candidato presidencial do PCP.

Edgar Silva realça ainda que não basta «mudar de estilo e de registo de comunicação» em relação ao anterior chefe de Estado. «O que deveria ser determinante é aquilo que a Constituição prevê como fundamental num Presidente da República: cumprir e fazer cumprir a Constuição e ser um incansável paladim da soberania nacional. E isso não tem acontecido ao longo destes seis meses». 

O mais interventivo de sempre

Henrique Neto acha mesmo que as constantes intervenções do Presidente da República podem retirar força aos avisos lançados sobre temas como a dívida, a Caixa Geral de Depósitos e o sistema financeiro. 

«Marcelo Rebelo de Sousa faz avisos, mas mistura com tantas outras coisas que eles perdem relevância. Um Presidente da República deve falar o menos possível, deve resguardar-se para comunicações ao país com uma certa seriedade e sobre os grandes desafios que o país tem pela frente», afirma o ex-dirigente do PS, acrescentando que o país precisa de «um sentido de orientação».

Tudo isto faz com que Henrique Neto classifique Marcelo Rebelo de Sousa como o Presidente mais interventivo de sempre. «Nunca tivemos um Presidente tão interventivo. Só que fala de tudo e de nada. Chamavam ao Guterres a ‘picareta falante’, mas este Presidente é muito mais picareta e muito mais falante».

Não votaria, mas…

Tanto Marisa Matias como Henrique Neto garantem que, se as eleições fossem hoje, não votariam no atual chefe de Estado. O mesmo acontece com Jorge Sequeira, mas com uma ressalva: «Acho que a Presidência está muito melhor entregue a Marcelo Rebelo de Sousa do que a mim», afirma o ex-candidato presidencial. E explica porquê. «É um homem mais preparado para a função do que eu era. É alguém com uma maior maturidade, o que lhe permite uma análise mais sustentada dos dossiês; tem uma perceção por parte dos outros como um líder eficaz, coisa que eu não tinha. Nem me posso comparar nestas dimensões ao Prof. Marcelo, seria pretensioso e arrogante da minha parte».

O psicólogo e professor universitário acredita que Marcelo está a fazer história na política portuguesa, rompendo com valores conservadores, e que está a criar «uma nova forma de se ver um Presidente». Mas desconstrói a famosa ‘política dos afetos’. «Embora seja uma buzz word, acho que a sua ação não se circunscreve ao ‘miminho’ e ao ‘colinho’. É um homem assertivo, que diz o que pensa e que envia as suas mensagens ao Parlamento, ao primeiro-ministro e à oposição. Nós é que estávamos habituados a Presidentes contidos e que achavam que chegar a Belém implicava calibrar todas as palavras», analisa Jorge Sequeira.

«Uma pessoa normal»

Quem se mostra surpreendido, mas rendido ao Presidente, é Vitorino Silva, mais conhecido como Tino de Rans, que se refere a Marcelo como «o meu Presidente» e diz-se orgulhoso do trabalho do chefe de Estado. «Quando eu dizia que ia abrir as portas do Palácio ao povo todos se riam», relembra o ex-candidato.

Tino de Rans afirma que o Presidente é a prova de que é possível estar no poder e ser um homem livre. «Marcelo não tem problema em misturar-se com o povo e há muita gente que não gosta disso. Há muitos hipócritas na política que, nas campanhas dão beijinhos ao povo, mas depois têm um pano para limpar a cara. E o Marcelo não tem medo de tocar e ser tocado pelo povo», acrescenta.

O antigo autarca, que fala em Marcelo como «um símbolo» do país, diz que o Presidente não deve deixar de ser ele próprio, isto é, de ser comunicativo e próximo dos cidadãos, para não «defraudar» as expectativas das pessoas que votaram nele. «Se fosse hoje, teria o meu voto. Estou muito orgulho em ter um Presidente que é uma pessoa normal», assume.

Já Cândido Ferreira considera que o Presidente tem transmitido a ideia de que se vive «num ‘Portugal em Festa’» e não se mostra rendido ao estilo, pelo contrário. Classifica a intervenção pública de Marcelo como «inadequada» e centrada no «superior interesse da gestão da sua imagem política», deixando de lado os interesse dos portugueses. 

«Para mim, Marcelo ficou muito aquém das expectativas que criei em torno de alguém indiscutivelmente simpático, inteligente, culto e com uma capacidade genial de análise». Ainda assim, se as eleições fosse hoje, não descarta a possibilidade de votar no atual chefe de Estado, caso os candidatos fossem os mesmos e pondo de parte uma candidatura sua – «o ‘menos mau’ entre os outros oito».

O Presidente não precisa de ser uma múmia, diz Alegre

A popularidade e a capacidade de comunicação de Rebelo de Sousa são também encaradas positivamente por Manuel Alegre. O candidato às presidenciais de 2006 ressalva que o chefe de Estado tem sido um «fator de estabilidade para o país» e que as suas intervenções – feitas apenas  quando acha necessário – não excedem os poderes previstos na Constituição. «O Presidente não tem de ser uma múmia e de estar fechado numa torre de marfim. Marcelo Rebelo de Sousa tem um estilo de maior proximidade com as pessoas, que até agora tem dado muito bom resultado», diz ainda o escritor.