Francisquinho, o aprendiz de Doutor


Deixou-me uma mensagem no voice mail, quase que parecia que lhe estava a faltar o ar: “Doutor, ajude-me. Vou falar com…” E não percebi o resto porque se misturou com o que parecia ser o som de uma cadela golden retriever a chorar pela mãe 


Ao longo desta última semana, muitos amigos, conhecidos e fãs em geral enviaram-me muitas mensagens após a leitura da entrevista do Dr. Francisquinho Rodrigues, o líder da Juventude Popular, ao jornal i. Pensaram que tinha sido eu a responder às questões do jornalista, tais as semelhanças nas opiniões.

Como não tenho tempo para responder individualmente, optei por fazê-lo através desta crónica. Como a lei não permite a devolução de jornais, posso dizê-lo hoje: sim, fui eu.

O Dr. Francisquinho tem muito talento e tendências naturais para se tornar um grande político. Uma das grandes qualidade de um homem de direita, feito de trabalho e com uma agenda apertadíssima, é pedir emprestadas opiniões quando não domina os assuntos. Quem não se recorda dos discursos que o Dr. Churchill plagiou ao Dr. De Gaulle. Um tinha um país para governar e o outro era hóspede do Dr. Churchill. Como pessoa incapaz de suster nazis, o Dr. De Gaulle pagou em palavras. E venha quem vier, a expressão “sangue, suor e lágrimas” fica ridícula em francês.

O Dr. Francisquinho ligou-me e eu não atendi. Deixou-me uma mensagem no voice mail, quase que parecia que lhe estava a faltar o ar: “Doutor, ajude-me. Vou falar com…” E não percebi o resto porque se misturou com o que parecia ser o som de uma cadela golden retriever a chorar pela mãe. Liguei-lhe de volta:
– Dr. Francisquinho, como vai? Então, vai falar com alguém importante?
– Sim, Doutor. Vou dar uma entrevista a um jornalista do i.

Desliguei. Estou farto de dizer às pessoas que constituem a base do partido para não me aborrecerem com questões menores. De repente, pensei mesmo que o Dr. Francisquinho ia falar ou com a Dra. Merkel ou com o Dr. Schäuble, ou mesmo com o Dr. Nuno Melo.

Ao lanche, voltei a pensar no Dr. Francisquinho. Tinham acabado de se enganar no meu pedido e serviram-me um pires de bolachas com figuras do filme “À Procura de Dory”. Num ato de puro altruísmo, decidi voltar a ligar-lhe para lhe dizer que estava pronto para ser seu mentor:

– Oh, Doutor, mas isso é… é…
Outra vez aquele som da cadela golden retriever.
– Afaste-se dessa quinta, Dr. Francisquinho.
– Estou no escritório, Doutor.
– Ah, bom. Então diga lá o que pretende.
– Doutor, nunca falei com jornalistas e não sei o que me vão perguntar. E se eu me engasgar?
– Como assim? Não sabe o que lhe vão perguntar? É mesmo amador, doutorzinho!
– Ajude-me, Doutor, sinto-me perdido. Já não tinha assim um nó no estômago desde que o Dr. Paulo Portas esteve três dias com o pé fora do governo.
– Acalme-se. Sabe o que é um email?
– Claro, Doutor.
– Não se arme em sabichão, doutorzinho. Como sabe, há muitos jotinhas que são educados apenas com almanaques de 1961, para que não caiam na tentação da modernidade.
– Eu sei, Doutor. Desculpe.
– Muito bem, vou enviar-lhe uma cópia do meu livro em PDF. Leia 40 vezes de dia e 40 vezes de noite. Estão lá todas as respostas de que necessita para todas as questões do mundo.
– Oh, Doutor, nem posso crer! Vou ditar tudo direitinho ao jornalista.
– Calma, Dr. Francisquinho. Tudo, não. Se o menino verter as minhas palavras nas respostas, toda a gente vai desconfiar. Aquilo são conhecimentos sábios e ninguém espera isso de si. E não quer passar por plagiador, pois não? Quer ser conhecido como o Duarte Marques 2.0? Já basta um!
– Não, claro que não!
– Claro que não o quê?
– Claro que não, Doutor!
– Muito bem! Então vai fazer da seguinte forma: pega nas minhas palavras e converte-as num jargão mais pueril. Tente também ter opiniões ligeiramente diferentes em determinados assuntos.
– Como assim, Doutor?
– Por exemplo, o que é que o menino pensa acerca da legalização das drogas?
– Sou completamente contra, Doutor!
– Pois saiba que eu sou completamente a favor. É uma excelente oportunidade para a indústria farmacêutica ganhar mais quota de mercado.
– Nunca tinha pensado nisso. Então, também sou a favor.
– Nem pensar! Na entrevista, vai manter a sua opinião inicial. Não pode soar tão sofisticado numa primeira abordagem.
– Obrigado, Doutor.
E assim nasce mais um talento.
 

Francisquinho, o aprendiz de Doutor


Deixou-me uma mensagem no voice mail, quase que parecia que lhe estava a faltar o ar: “Doutor, ajude-me. Vou falar com…” E não percebi o resto porque se misturou com o que parecia ser o som de uma cadela golden retriever a chorar pela mãe 


Ao longo desta última semana, muitos amigos, conhecidos e fãs em geral enviaram-me muitas mensagens após a leitura da entrevista do Dr. Francisquinho Rodrigues, o líder da Juventude Popular, ao jornal i. Pensaram que tinha sido eu a responder às questões do jornalista, tais as semelhanças nas opiniões.

Como não tenho tempo para responder individualmente, optei por fazê-lo através desta crónica. Como a lei não permite a devolução de jornais, posso dizê-lo hoje: sim, fui eu.

O Dr. Francisquinho tem muito talento e tendências naturais para se tornar um grande político. Uma das grandes qualidade de um homem de direita, feito de trabalho e com uma agenda apertadíssima, é pedir emprestadas opiniões quando não domina os assuntos. Quem não se recorda dos discursos que o Dr. Churchill plagiou ao Dr. De Gaulle. Um tinha um país para governar e o outro era hóspede do Dr. Churchill. Como pessoa incapaz de suster nazis, o Dr. De Gaulle pagou em palavras. E venha quem vier, a expressão “sangue, suor e lágrimas” fica ridícula em francês.

O Dr. Francisquinho ligou-me e eu não atendi. Deixou-me uma mensagem no voice mail, quase que parecia que lhe estava a faltar o ar: “Doutor, ajude-me. Vou falar com…” E não percebi o resto porque se misturou com o que parecia ser o som de uma cadela golden retriever a chorar pela mãe. Liguei-lhe de volta:
– Dr. Francisquinho, como vai? Então, vai falar com alguém importante?
– Sim, Doutor. Vou dar uma entrevista a um jornalista do i.

Desliguei. Estou farto de dizer às pessoas que constituem a base do partido para não me aborrecerem com questões menores. De repente, pensei mesmo que o Dr. Francisquinho ia falar ou com a Dra. Merkel ou com o Dr. Schäuble, ou mesmo com o Dr. Nuno Melo.

Ao lanche, voltei a pensar no Dr. Francisquinho. Tinham acabado de se enganar no meu pedido e serviram-me um pires de bolachas com figuras do filme “À Procura de Dory”. Num ato de puro altruísmo, decidi voltar a ligar-lhe para lhe dizer que estava pronto para ser seu mentor:

– Oh, Doutor, mas isso é… é…
Outra vez aquele som da cadela golden retriever.
– Afaste-se dessa quinta, Dr. Francisquinho.
– Estou no escritório, Doutor.
– Ah, bom. Então diga lá o que pretende.
– Doutor, nunca falei com jornalistas e não sei o que me vão perguntar. E se eu me engasgar?
– Como assim? Não sabe o que lhe vão perguntar? É mesmo amador, doutorzinho!
– Ajude-me, Doutor, sinto-me perdido. Já não tinha assim um nó no estômago desde que o Dr. Paulo Portas esteve três dias com o pé fora do governo.
– Acalme-se. Sabe o que é um email?
– Claro, Doutor.
– Não se arme em sabichão, doutorzinho. Como sabe, há muitos jotinhas que são educados apenas com almanaques de 1961, para que não caiam na tentação da modernidade.
– Eu sei, Doutor. Desculpe.
– Muito bem, vou enviar-lhe uma cópia do meu livro em PDF. Leia 40 vezes de dia e 40 vezes de noite. Estão lá todas as respostas de que necessita para todas as questões do mundo.
– Oh, Doutor, nem posso crer! Vou ditar tudo direitinho ao jornalista.
– Calma, Dr. Francisquinho. Tudo, não. Se o menino verter as minhas palavras nas respostas, toda a gente vai desconfiar. Aquilo são conhecimentos sábios e ninguém espera isso de si. E não quer passar por plagiador, pois não? Quer ser conhecido como o Duarte Marques 2.0? Já basta um!
– Não, claro que não!
– Claro que não o quê?
– Claro que não, Doutor!
– Muito bem! Então vai fazer da seguinte forma: pega nas minhas palavras e converte-as num jargão mais pueril. Tente também ter opiniões ligeiramente diferentes em determinados assuntos.
– Como assim, Doutor?
– Por exemplo, o que é que o menino pensa acerca da legalização das drogas?
– Sou completamente contra, Doutor!
– Pois saiba que eu sou completamente a favor. É uma excelente oportunidade para a indústria farmacêutica ganhar mais quota de mercado.
– Nunca tinha pensado nisso. Então, também sou a favor.
– Nem pensar! Na entrevista, vai manter a sua opinião inicial. Não pode soar tão sofisticado numa primeira abordagem.
– Obrigado, Doutor.
E assim nasce mais um talento.