Uma vez, o meu guru espiritual disse-me aquela que é para mim a frase e a conclusão mais genial de todos os tempos:
“Só morro uma vez. Por isso, quero morrer bem.”
Fê-lo como fazia todas as coisas, com calma e amor. A sua assertividade era serena, baixa de tom e certeira, porque sábio é aquele que não precisa de convencer ninguém. Dizia as coisas mais extraordinárias com a máxima serenidade porque não precisava de fazer barulho, nem de sequer de usar argumentos, para se fazer ouvir. Fazia-se ouvir com silêncio, em sussurro, quase como se não falasse.
Conseguiu, depois de dizer uma única vez esta frase, que eu a ouvisse ao ponto de a marcar em mim, tornando-a uma das minhas máximas. “Só morro uma vez. Por isso, quero morrer bem.”
Passemos à frente da parte do constrangimento típico por estar a falar de morte com tanta descontração. Não deveria haver tanta vergonha na verdade, não deveríamos evitar conversar sobre a única certeza que conhecemos nesta vida. O resto são só suposições. A morte é verdade. Talvez a única absoluta.
Se a morte acontece uma única vez, uma porra de uma única vez, é normal que o queira fazer bem, como todas as outras coisas que só podemos fazer uma única vez na vida: como aquela audição que nunca mais se repetirá, o último salto do campeonato, a última música antes de a banda se separar.
Não há espaço na morte para arrependimentos. Não há espaço nas últimas coisas para repetições.
Não podemos pedir-lhe: “Espera aí, morte! Deixa-me repetir, por favor, que estava distraída! Deixa-me lá morrer outra vez, que agora estou concentrada!”. Não podemos pedir à morte que nos deixe voltar a casa para pedirmos desculpa, não podemos pedir à morte que saia por um bocadinho porque precisamos de repensar os nossos valores, não podemos pedir à morte que nos deixe voltar ao lugar onde fomos mais felizes para o apreciarmos melhor. Não podemos pedir à morte que nos permita uma pausa para fazermos à pressa o que deixámos por fazer; não podemos pedir à morte que nos leve aos nossos filhos e aos nossos pais, para os abraçarmos com mais paz e deixar as devidas recomendações. Não podemos pedir à morte que nos deixe ir escrever canções. Porque quando a morte chega até nós, já chega sem desculpas.
O meu guru ensinou-me que só se morre uma vez e que morrer bem é viver melhor.
Morrer bem é morrer em paz e com a paz de quem não deixa o seu lugar poluído, de quem deixou a sua secretária limpa depois de as aulas acabarem e própria para o outro se sentar ali a aprender as mesmas coisas, ou outras coisas, o que lhe estiver destinado a ser. Morrer bem é levar os livros, os lápis, os apontamentos, os ensinamentos e talvez marcar o nome na madeira, para quem se sentar depois saber que já outro ali se sentou. Ali alguém viveu. E deixar que o lugar deixado seja inspirador. Isso é morrer bem.
Morrer bem é deixar os abraços dados e ter tido os braços largos, porque não se negou o abraço a ninguém. Morrer bem é morrer com a certeza de que se viveu com tudo e com todos os que foram fundamentais, e aqueles que não estiveram era porque estariam a mais. Morrer bem é morrer a deixar saudades, é deixar saudades vivas, mas influenciar que quem as tenha as sinta sem mágoa. Porque sabe que quem morreu bem deixou cá o melhor. Deixou as histórias, os risos, as memórias que são as melhores amigas de quem cá fica.
Quero morrer bem. Porque isso significa que vivi melhor. Quero morrer com a certeza de que vivi em amor, em humor, em plenitude, em concordância com a criança que quero continuar a ser até ao último dia que me for permitido viver.