“Deviam estar mais de cem pessoas no salão. Muitas eram portuguesas e duvido que alguma pensasse no mesmo que eu. Aquele mundo estava a acabar para eles, em África; penso que ninguém ali poria isso em causa não obstante todos os discursos e todo aquele cerimonial; mas estavam todos à vontade, a usufruir do momento, enchendo o velho salão com conversas e risos como quem não se importa, como quem sabe viver com a história. Nunca admirei tanto os portugueses como naquela altura.”
V. S. Naipaul, “Uma Vida Pela Metade” (Dom Quixote)
Foi assim em África e agora em Portugal. Perante um mundo que acaba, desaba, rimos, festejamos, estamos contentes. Mais de 40 anos depois, apoderou-se novamente do país uma inconsciência coletiva que nos bloqueia. Quando Portugal venceu o Euro 2016, muitos disseram que aquela atitude era a de um novo país. Mas não há nada de novo.
A vitória no Europeu foi um episódio pontual e igual ao dos muitos portugueses bem sucedidos, em Portugal ou no estrangeiro. Com esforço, sacrifício e muito realismo. Precisamente o contrário do que coletivamente vemos agora e do que se viu em África no início dos anos 70.
Willy, a personagem que Naipaul criou naquele maravilhoso livro, admira os portugueses por não se importarem e saberem viver com a História. Mas Willy tinha problemas e não conseguia aceitá-los. Já Portugal aceita-os, mas não os resolve. Vamos queimando os últimos cartuchos; estamos todos como quem não se importa a usufruir do momento com conversas e risos.
Advogado
Escreve à quinta-feira