Notas de Cabo Verde


O prestigiado Economist Intelligence Unit, por exemplo, não tem dúvidas em qualificar a democracia de Cabo Verde como mais saudável do que os sistemas português, polaco ou israelita 


Emaranhado no interminável novelo de crises europeias, dá a sensação que Portugal se esquece de que, por vocação, história e necessidade geográfica, faz parte do extraordinário espaço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Descontando as visões líricas, quando os decisores colocam a CPLP na agenda são quase sempre o Brasil e Angola, os pesos pesados do grupo, que dominam as atenções entre nós. Está na altura de Lisboa olhar com mais atenção para o que se passa em Cabo Verde. O prestigiado Economist Intelligence Unit, por exemplo, não tem dúvidas em qualificar a democracia de Cabo Verde como mais saudável do que os sistemas português, polaco ou israelita – como se pode ler no ‘Democracy Index’ de 2015. Isto só pode constituir surpresa para quem não conhece a realidade do país. Em Cabo Verde, e ao contrário de muitas geografias europeias, constatamos que os jovens estão empenhados no processo político, que há uma cultura política forte, que há estabilidade, previsibilidade e compromisso, que há ímpeto reformista do governo e dos autarcas, que os mecanismos de democracia participativa estão a ser aprofundados a um ponto desconhecido em muitos sistemas ditos consolidados. Mais do que isso, constata-se que as pessoas não olham para a democracia como um catálogo de direitos sem anexo de deveres. Por estas razões e muitas mais, Cabo Verde é uma das mais entusiasmantes democracias atlânticas, com quem os governos de Portugal e de CPLP podem aprender alguma coisa.  

Como coordenador nacional autárquico confirmei estas ideias representando o PSD na Convenção Autárquica do Movimento para a Democracia (MpD) na Cidade Velha. Tal como cá, também lá são as eleições autárquicas a concentrar parte da atenção da opinião pública – embora do lado cabo-verdiano o calendário vá mais adiantado com as eleições marcadas para 4 de setembro. Tudo indica que o MpD deverá ganhar o escrutínio. Essa previsão é sustentada em três factos: primeiro, o MpD está numa onda de vitória, unido [não, em Cabo Verde não há políticos comentadores sempre prontos a deitar o partido abaixo] e dirigido por um político de grande competência, Ulisses Correia e Silva, um ex-autarca (liderou a capital) que é hoje primeiro-ministro. Segundo, o MpD apresenta quadros de qualidade às 22 autarquias do arquipélago e o mais provável é que venha a alargar o número de câmaras, superando as 14 atuais. Terceiro, as reformas do governo MpD, como as medidas descentralizadoras que têm como objeto as autarquias, vão fazer a diferença.  

Notam-se diferenças substanciais por comparação a Portugal. Desde logo a relevância política que é atribuída às autarquias através dos processos de descentralização. Estamos a pouco mais de um ano das autárquicas e a incerteza é total: nenhum autarca conhece o quadro de competências do próximo mandado. Ninguém concebe que se possa gerir um país desta maneira. 

A postura do governo PS nesta questão é, aliás, reveladora do modus operandi da governação do país. Primeiro revertem-se as medidas do governo anterior, mesmo que bem-sucedidas. Depois logo se vê. E, no limite, o ‘logo se vê’ é não fazer mais nada, não mexer. Glória ao reacionarismo. 

Falhada a eleição dos presidentes das CCDR, uma regionalização encapotada, empurrada para a frente a trapalhada com a reforma das freguesias, e conhecendo-se a oposição do PS à descentralização encetada pelo PSD/CDS na anterior legislatura – uma reforma orgânica, negociada com autarcas da esquerda à direita, e que foi submetida ao princípio democrático da tentativa e erro -, urge que o governo ponha as suas propostas em cima da mesa. Exigem-se medidas concretas que possam ser melhoradas através da negociação com os autarcas. Esta é uma matéria de enorme sensibilidade. Recorde-se que os processos de descentralização mexem diretamente com a vida dos cidadãos e que, através deles, não podemos desbaratar a oportunidade de fazer parte da reforma do estado.  

António Costa tem um passado como autarca e, no papel de presidente da CML, negociou comigo, no tempo em que eu era líder da Distrital do PSD, a reforma administrativa da cidade de Lisboa. Hoje tem um presente como ‘grande negociador’ e construtor de pontes (ou dinamitador de muros, como se preferir). Em nome da sua coerência política e de princípios básicos de cultura e compromisso político, uma vez que se trata de um assunto que toca a todos e onde há vontade de todos fazerem mais e melhor, o governo PS está obrigado a negociar. Muito mal iria o país se, refugiado na autossuficiência da sua solução governativa, António Costa desse um sinal de prepotência aplicando verticalmente políticas de descentralização desenhadas centralmente nos ministérios.
Voltando a Cabo Verde, e como em crioulo se lê no slogan do MpD para as autárquicas, Djunto nos e mais forti. Também aqui, juntos somos mais fortes se compreendermos que as reformas aplicadas às autarquias não são terreno político de uns quantos, mas chão comum de todos.  


Notas de Cabo Verde


O prestigiado Economist Intelligence Unit, por exemplo, não tem dúvidas em qualificar a democracia de Cabo Verde como mais saudável do que os sistemas português, polaco ou israelita 


Emaranhado no interminável novelo de crises europeias, dá a sensação que Portugal se esquece de que, por vocação, história e necessidade geográfica, faz parte do extraordinário espaço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Descontando as visões líricas, quando os decisores colocam a CPLP na agenda são quase sempre o Brasil e Angola, os pesos pesados do grupo, que dominam as atenções entre nós. Está na altura de Lisboa olhar com mais atenção para o que se passa em Cabo Verde. O prestigiado Economist Intelligence Unit, por exemplo, não tem dúvidas em qualificar a democracia de Cabo Verde como mais saudável do que os sistemas português, polaco ou israelita – como se pode ler no ‘Democracy Index’ de 2015. Isto só pode constituir surpresa para quem não conhece a realidade do país. Em Cabo Verde, e ao contrário de muitas geografias europeias, constatamos que os jovens estão empenhados no processo político, que há uma cultura política forte, que há estabilidade, previsibilidade e compromisso, que há ímpeto reformista do governo e dos autarcas, que os mecanismos de democracia participativa estão a ser aprofundados a um ponto desconhecido em muitos sistemas ditos consolidados. Mais do que isso, constata-se que as pessoas não olham para a democracia como um catálogo de direitos sem anexo de deveres. Por estas razões e muitas mais, Cabo Verde é uma das mais entusiasmantes democracias atlânticas, com quem os governos de Portugal e de CPLP podem aprender alguma coisa.  

Como coordenador nacional autárquico confirmei estas ideias representando o PSD na Convenção Autárquica do Movimento para a Democracia (MpD) na Cidade Velha. Tal como cá, também lá são as eleições autárquicas a concentrar parte da atenção da opinião pública – embora do lado cabo-verdiano o calendário vá mais adiantado com as eleições marcadas para 4 de setembro. Tudo indica que o MpD deverá ganhar o escrutínio. Essa previsão é sustentada em três factos: primeiro, o MpD está numa onda de vitória, unido [não, em Cabo Verde não há políticos comentadores sempre prontos a deitar o partido abaixo] e dirigido por um político de grande competência, Ulisses Correia e Silva, um ex-autarca (liderou a capital) que é hoje primeiro-ministro. Segundo, o MpD apresenta quadros de qualidade às 22 autarquias do arquipélago e o mais provável é que venha a alargar o número de câmaras, superando as 14 atuais. Terceiro, as reformas do governo MpD, como as medidas descentralizadoras que têm como objeto as autarquias, vão fazer a diferença.  

Notam-se diferenças substanciais por comparação a Portugal. Desde logo a relevância política que é atribuída às autarquias através dos processos de descentralização. Estamos a pouco mais de um ano das autárquicas e a incerteza é total: nenhum autarca conhece o quadro de competências do próximo mandado. Ninguém concebe que se possa gerir um país desta maneira. 

A postura do governo PS nesta questão é, aliás, reveladora do modus operandi da governação do país. Primeiro revertem-se as medidas do governo anterior, mesmo que bem-sucedidas. Depois logo se vê. E, no limite, o ‘logo se vê’ é não fazer mais nada, não mexer. Glória ao reacionarismo. 

Falhada a eleição dos presidentes das CCDR, uma regionalização encapotada, empurrada para a frente a trapalhada com a reforma das freguesias, e conhecendo-se a oposição do PS à descentralização encetada pelo PSD/CDS na anterior legislatura – uma reforma orgânica, negociada com autarcas da esquerda à direita, e que foi submetida ao princípio democrático da tentativa e erro -, urge que o governo ponha as suas propostas em cima da mesa. Exigem-se medidas concretas que possam ser melhoradas através da negociação com os autarcas. Esta é uma matéria de enorme sensibilidade. Recorde-se que os processos de descentralização mexem diretamente com a vida dos cidadãos e que, através deles, não podemos desbaratar a oportunidade de fazer parte da reforma do estado.  

António Costa tem um passado como autarca e, no papel de presidente da CML, negociou comigo, no tempo em que eu era líder da Distrital do PSD, a reforma administrativa da cidade de Lisboa. Hoje tem um presente como ‘grande negociador’ e construtor de pontes (ou dinamitador de muros, como se preferir). Em nome da sua coerência política e de princípios básicos de cultura e compromisso político, uma vez que se trata de um assunto que toca a todos e onde há vontade de todos fazerem mais e melhor, o governo PS está obrigado a negociar. Muito mal iria o país se, refugiado na autossuficiência da sua solução governativa, António Costa desse um sinal de prepotência aplicando verticalmente políticas de descentralização desenhadas centralmente nos ministérios.
Voltando a Cabo Verde, e como em crioulo se lê no slogan do MpD para as autárquicas, Djunto nos e mais forti. Também aqui, juntos somos mais fortes se compreendermos que as reformas aplicadas às autarquias não são terreno político de uns quantos, mas chão comum de todos.