Já era prática recorrente dentro da família, entre amigos ou motivado pela própria escola. A reutilização de manuais escolares não é algo novo para o universo escolar, mas este ano tem uma componente nova: a obrigatoriedade. O ministério garante que todos os alunos do primeiro ano terão livros de forma gratuita mas, em contrapartida, pede que sejam devolvidos no final do ano para que passem a ser reutilizados no ano seguinte.
Se toda a comunidade escolar – professores, diretores, pais e alunos – aplaude a iniciativa da oferta de manuais, mesmo que para já seja restrita ao início do percurso escolar, o mesmo entusiasmo não permanece até ao final do ano, altura em que os alunos devem entregar o manual utilizado.
Na perspetiva dos pais, a reutilização dos livros levanta alguns problemas. Jorge Ascensão, presidente da Confap, acredita que este método pode “limitar a utilização espontânea dos livros por parte das crianças”. Além disso, o dirigente da Confederação Nacional das Associações de Pais lembra que os livros têm por si só o desgaste natural de serem transportados diariamente “em mochilas que não são dadas pelo ministério” e que por isso “não têm todas o mesmo nível de qualidade”.
Para o representante dos pais, o livro deve ser sim uma oferta do ministério, mas com o caráter de “prémio” para o início do percurso escolar. “O gosto pelo livro e pela sua conservação deve ser incutido a todos os alunos”, refere, salientando que a sua entrega a outra pessoa pode ter um impacto negativo, principalmente quando se trata de crianças de primeiro ano.
Professores divididos Na matemática, há cada vez menos espaço para que as respostas sejam dados nos manuais e, por isso, os problemas acabam por ser resolvidos nas páginas dos cadernos. Aliás, na opinião da dirigente da Associação de Professores de Matemática, o livro é algo “sobrevalorizado”, quando deve ser encarado como “um instrumento de apoio”. No entanto, Lurdes Figueiral é apologista da reutilização dos livros, principalmente pelo fomento do respeito pelo material escolar, “seja ele um manual ou uma folha de papel”.
Recordando o seu percurso como aluna, e dando forma a uma opinião favorável à reutilização de livros, Lurdes conta que das quatro irmãs, a mais nova acabou por sair beneficiada ao herdar um “Lusíadas” já sublinhado e com notas tiradas. “Esses apontamentos pessoais podem até enriquecer a leitura”, garante.
Opinião bem diferente tem quem lida com o texto escrito como matéria a ser estudada. Edviges Ferreira, presidente da Associação de Professores de Português, não encara o livro sublinhado como uma herança positiva e acredita que isso pode moldar a forma como o texto é interpretado. “Cada um tem a sua leitura e sublinha aquilo que para si faz sentido, e ter já esse trabalho feito acaba por ser redutor”.
A reutilização dos manuais é vista pela responsável como uma mais valia, mas acredita que a mudança nunca será imediata. “Os nossos alunos não têm essa mentalidade”, defende, “por isso é bom que seja incorporada aos poucos, a partir do primeiro ano”.
Reutilização limitada Apesar de ambicioso, o plano do ministério é realista. Na semana em que Tiago Brandão Rodrigues anuncia que no ano letivo de 2017/18 os manuais vão ser entregues gratuitamente a todos os alunos do primeiro ciclo, apresenta horizontes limitados à sua reutilização. “Tendo em conta que este é o primeiro ano de aplicação da medida, e que estamos a falar de alunos ainda muito novos, não é expectável ter para já uma taxa de reutilização muito significativa”, refere fonte do ministério, em declarações ao i. Para o ministério, o importante este ano é “ir familiarizando os alunos com essa ideia de responsabilização relativamente aos manuais”.
Quanto à forma como os livros vão ser entregues a quem este ano tem direito, a secretária de Estado Alexandra Leitão explica que este será um processo a decorrer entre 9 e 15 de setembro, com duas vertentes: as escolas podem entregar diretamente o manual aos pais ou optar por oferecer um voucher a indicar qual a livraria onde os encarregados de educação se podem dirigir para o comprar.