A decisão de cancelar a multa por incumprimento do défice de 2015 dá um novo fôlego à geringonça? Pode parecer que sim, mas a verdade é que não. O texto ontem aprovado pela Comissão Europeia mostra que as negociações para o Orçamento de 2017 serão ainda mais complicadas. António Costa não terá um verão fácil.
O PCP foi o primeiro a perceber os riscos daquilo que parecia uma boa notícia para a esquerda. O partido não embarcou na euforia gerada pelo cancelamento de sanções a Portugal. Pelo contrário, os comunistas veem razões para estarem preocupados com a forma como Bruxelas está a gerir este dossiê e foram os únicos a deixá-las bem claras, ontem, pouco depois do anúncio da Comissão.
“Não se pode considerar, de forma alguma, uma vitória a inexistência de uma expressão financeira desta sanção porque, na prática, o que confirma é uma decisão de punição sobre o país e condicionamento da soberania que não podemos aceitar”, reagia o líder parlamentar comunista, João Oliveira, logo depois de o BE se congratular com a notícia vinda de Bruxelas.
PCP e BE divididos A divisão entre comunistas e bloquistas nesta matéria foi clara. O PCP percebeu o perigo das recomendações de Bruxelas que acompanharam o cancelamento das sanções, enquanto o BE viu na decisão dos comissários “a derrota de todos os que em Portugal e na Europa tudo fizeram para que o país fosse alvo de sanções” e a prova de que vale a pena lutar na União Europeia.
“Não estão a perceber que as recomendações da Comissão são todas no sentido de condicionar o Orçamento de 2017 e de pedir coisas que são incompatíveis com os acordos à esquerda, como o aumento do IVA dos produtos que têm uma taxa reduzida”, comenta uma fonte comunista que teme que a negociação do Orçamento do próximo ano se transforme numa prova de fogo para a geringonça.
“Vai depender das opções de António Costa. Ou aceita propostas como a do imposto sobre as transações financeiras ou submete-se ao que Bruxelas quer e rebenta os acordos à esquerda”, aponta a mesma fonte.
BE corrigiu tiro Horas depois da primeira reação à decisão da Comissão Europeia, o BE corrigiu, porém, o tiro das declarações iniciais, com um post de Jorge Costa no Facebook.
“António Costa não acertou na previsão. Esperava uma saída ‘não muito simpática para Portugal’ e, afinal, tivemos uma boa surpresa. Augusto Santos Silva não acertou na conclusão – ‘vale a pena jogar o jogo das regras europeias’ -, mas acaba por resumir tudo”, notava o dirigente bloquista para concluir que “o ‘jogo das regras’ é o absurdo do autoritarismo e da austeridade, das regras contra o jogo.”
As exigências de Bruxelas A reação chegou quando já era impossível ignorar as exigências europeias. No documento aprovado ontem pelos comissários pede-se um esforço de consolidação orçamental no valor de 466 milhões de euros, entre medidas de aumento da receita e de redução da despesa.
A Comissão Europeia chega até a apontar um caminho para chegar a esses valores que permitirão, na análise dos comissários, cumprir uma meta de 2,5% de défice para 2016. E o caminho, nota Bruxelas, pode passar por rever o “amplo uso das taxas reduzidas do IVA” – isto é, aumentar o imposto sobre alguns dos produtos que atualmente são taxados pelo valor mais baixo.
Ora, esta ideia de Bruxelas choca de frente com os acordos que António Costa assinou com o BE e o PCP. Para assegurar que o seu governo tem a maioria parlamentar de que precisa, Costa não poderá aumentar o IVA sobre os bens essenciais nem subir os impostos sobre os rendimentos do trabalho ou, de alguma forma, cortar salários e pensões. É que, se PCP e BE até podem aceitar que a função pública continue com os vencimentos congelados em 2017, não vão deixar passar qualquer política que ponha em causa a recuperação de rendimentos iniciada por esta maioria.
A reversão dos cortes salariais e o fim da sobretaxa e da contribuição extraordinária de solidariedade (CES) sobre as pensões mais elevadas são pontos de honra dos quais a esquerda não vai abrir mão.
Além disso, BE e PCP também já deixaram claro que vão bater–se por continuar a atualizar pensões e pela subida – já acordada – do salário mínimo nacional.
O problema será saber como poderá António Costa responder a estas exigências, satisfazendo as metas de Bruxelas. É certo que a Comissão baixou a exigência dos 2,3% para os 2,5% para este ano, mas o facto de o crescimento económico estar a ser revisto em baixa torna as contas mais difíceis.
“A pressão vai ser muita. Vai ser muito duro”, avisa uma fonte da Comissão Europeia.