O ministro do cachecol


Depois do tiro de Éder, identificar os pontos fracos a corrigir e os pontos fortes a maximizar para fazer voltar o investimento direto privado ao país é a nossa hipótese


De cachecol ao peito, Mário Centeno entra triunfante na sala de Bruxelas e é (terá sido) congratulado por todos os seus congéneres. Vive ainda o êxtase coletivo da conquista de Paris e até gostaria de pensar que as sanções para o incumprimento orçamental de 2015 pudessem ser deliberação a evitar. Ou a reverter, se assim fosse caso, numa espécie de multa “simbólica”. Em nome de Éder, o novo cisne, em vez de Catarina e Jerónimo. Portugal tem-se aguentado estoicamente nos últimos trimestres e Centeno acredita. Mesmo com o trunfo de uma boa execução orçamental em curso e a defesa preparada para as mentes brilhantes da Europa, só Centeno verdadeiramente sabe se a linha é de consolidação ou não. Mas não conta tudo o que sabe. Ou só mostra o que interessa. O investimento privado foi–se embora, o crescimento estagnou, os fundos europeus (compensadores da falência do investimento público) estão no paradigma da imobilidade, o desemprego é uma incerteza depois de acabadas as férias de verão, as exportações regrediram, as “balanças” que recuperaram voltaram aos dramas, o acesso do Estado ao crédito tem sido garantido pelos juros baratos do Banco Central Europeu (até que se tenha de tirar aos “doentes” o antidepressivo da compra de dívida pública…). Centeno deve saber. E Costa, que o atirou para o fogo enquanto festeja com o povo, também. Merkel e Schäuble, que mandam, igualmente.

Por muito que lhe custe, Centeno deveria preferir outro caminho. Como Fernando Santos soube e sabe, aplicando os princípios básicos da gestão, é preciso aproveitar os pontos fortes e minimizar (ou disfarçar ao limite) os pontos fracos. Se os investidores queriam vir e estavam a vir, não era pelo sol e pela gastronomia. Era tão-só pela sua análise de risco e de oportunidade em termos comparativos. Sem eles, não daremos a volta. E eles, sem quererem saber muito de execuções orçamentais, reagem imediatamente às circunstâncias: mudança de políticas, alteração dos custos de contexto, instabilidade tributária, carga laboral, qualificações dos recursos humanos, valor real dos salários, relações com as entidades administrativas e os tribunais, contribuições das empresas, concertação social. E já agora, não ficam indiferentes à reputação, sem futebol. Têm documentos, gráficos e tabelas com cores que comparam países, regiões e competitividades. Com números sobre custos e especializações. Olhando para eles, temos hipótese de ganhar esta concorrência global e sair do marasmo? Porque deveriam escolher Portugal na atual conjuntura? Quais são os pontos fracos que devemos sanar na comparação e quais os pontos fortes que devemos maximizar? Quem não deixa corrigir os fracos e hiperbolizar os fortes?

Centeno sabe tudo o que não sabia antes, quando estava fechado em frente ao seu computador a fazer o documento que Costa lhe pedira para ser programa alternativo ao caminho de Passos e Portas. Pedira-lhe uma outra saída, a que iria chamar o “fim da austeridade”, uma saída que depois Costa se encarregaria de descodificar e tornar simples aos olhos do eleitorado. Nessa altura pensava-se em maioria parlamentar do PS e ainda não se adaptava a ação, o discurso e o escrutínio às necessidades de sobrevivência. Agora não. O word com os gráficos e as teses académicas não estão a resultar. Mas os estoicos de Paris resultaram, com coesão, qualidade e crença. Centeno já está no prolongamento e sabe. Aconchega o cachecol, puxa o sorriso atrás e segue em frente. Para as grandes penalidades, supõe-se.

 

Professor de Direito da Universidadede Coimbra. Jurisconsulto

Escreve à quinta-feira

 

 


O ministro do cachecol


Depois do tiro de Éder, identificar os pontos fracos a corrigir e os pontos fortes a maximizar para fazer voltar o investimento direto privado ao país é a nossa hipótese


De cachecol ao peito, Mário Centeno entra triunfante na sala de Bruxelas e é (terá sido) congratulado por todos os seus congéneres. Vive ainda o êxtase coletivo da conquista de Paris e até gostaria de pensar que as sanções para o incumprimento orçamental de 2015 pudessem ser deliberação a evitar. Ou a reverter, se assim fosse caso, numa espécie de multa “simbólica”. Em nome de Éder, o novo cisne, em vez de Catarina e Jerónimo. Portugal tem-se aguentado estoicamente nos últimos trimestres e Centeno acredita. Mesmo com o trunfo de uma boa execução orçamental em curso e a defesa preparada para as mentes brilhantes da Europa, só Centeno verdadeiramente sabe se a linha é de consolidação ou não. Mas não conta tudo o que sabe. Ou só mostra o que interessa. O investimento privado foi–se embora, o crescimento estagnou, os fundos europeus (compensadores da falência do investimento público) estão no paradigma da imobilidade, o desemprego é uma incerteza depois de acabadas as férias de verão, as exportações regrediram, as “balanças” que recuperaram voltaram aos dramas, o acesso do Estado ao crédito tem sido garantido pelos juros baratos do Banco Central Europeu (até que se tenha de tirar aos “doentes” o antidepressivo da compra de dívida pública…). Centeno deve saber. E Costa, que o atirou para o fogo enquanto festeja com o povo, também. Merkel e Schäuble, que mandam, igualmente.

Por muito que lhe custe, Centeno deveria preferir outro caminho. Como Fernando Santos soube e sabe, aplicando os princípios básicos da gestão, é preciso aproveitar os pontos fortes e minimizar (ou disfarçar ao limite) os pontos fracos. Se os investidores queriam vir e estavam a vir, não era pelo sol e pela gastronomia. Era tão-só pela sua análise de risco e de oportunidade em termos comparativos. Sem eles, não daremos a volta. E eles, sem quererem saber muito de execuções orçamentais, reagem imediatamente às circunstâncias: mudança de políticas, alteração dos custos de contexto, instabilidade tributária, carga laboral, qualificações dos recursos humanos, valor real dos salários, relações com as entidades administrativas e os tribunais, contribuições das empresas, concertação social. E já agora, não ficam indiferentes à reputação, sem futebol. Têm documentos, gráficos e tabelas com cores que comparam países, regiões e competitividades. Com números sobre custos e especializações. Olhando para eles, temos hipótese de ganhar esta concorrência global e sair do marasmo? Porque deveriam escolher Portugal na atual conjuntura? Quais são os pontos fracos que devemos sanar na comparação e quais os pontos fortes que devemos maximizar? Quem não deixa corrigir os fracos e hiperbolizar os fortes?

Centeno sabe tudo o que não sabia antes, quando estava fechado em frente ao seu computador a fazer o documento que Costa lhe pedira para ser programa alternativo ao caminho de Passos e Portas. Pedira-lhe uma outra saída, a que iria chamar o “fim da austeridade”, uma saída que depois Costa se encarregaria de descodificar e tornar simples aos olhos do eleitorado. Nessa altura pensava-se em maioria parlamentar do PS e ainda não se adaptava a ação, o discurso e o escrutínio às necessidades de sobrevivência. Agora não. O word com os gráficos e as teses académicas não estão a resultar. Mas os estoicos de Paris resultaram, com coesão, qualidade e crença. Centeno já está no prolongamento e sabe. Aconchega o cachecol, puxa o sorriso atrás e segue em frente. Para as grandes penalidades, supõe-se.

 

Professor de Direito da Universidadede Coimbra. Jurisconsulto

Escreve à quinta-feira